O LUME
O chefe da polícia cria galinhas na capoeira que herdou, com a casa, dos avós.
Quando chega a casa, dedica-se às poedeiras. O cão rodeia-o solícito lambedor da autoridade agora civil. Há laranjeiras no pátio, que rega por sulcos abertos a enxada: autor de caminhos da água. O chefe da polícia é sossegado. Só o desassossega a memória quotidiana da cabeça do guarda 1253, cujos malares romanos, perfeito nariz e queixo duro guardam a toda a volta a boca comedora de beijos. Cuidadas as galinhas, o chefe da polícia divide a ceia com o cão, senta-se a fumar nos degraus da marquise aspirando o suor das laranjeiras. Lá dentro, no fogão de ferro, o lume arde para ninguém. 1253 menos 1253 igual a zero.
Texto de Daniel Abrunheiro, in «O Preço da Chuva», Pé de Página Editores, Coimbra, 2006, p. 41.
Foto de Augusto Mota, 26.07.2014, com os agradecimentos ao dono do prato, que é exemplar único, feito por encomenda.
1 comentário:
O prato é extraordinário !
Júlia Ribeiro
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