CONTOS NO TERREIRO AO LUAR DE AGOSTO
No passado dia 28 de
Junho teve lugar no museu Moinho do
Papel, em sessão presidida pelo Dr. Gonçalo Lopes, vice-presidente da
Câmara Municipal de Leiria e vereador da Cultura, a apresentação do livro de
Júlia Ribeiro «CONTOS no TERREIRO ao
LUAR de AGOSTO», numa edição da Âncora Editora, obra que reúne num só
volume três títulos editados anteriormente
e há muito esgotados: «Contos ao Luar de Agosto» I (2000), «Contos ao Luar de
Agosto» II (2001) e «De Olvido e de Silêncio» (2001).
A autora: Júlia Ribeiro / O apresentador: Augusto Mota
Esteve ainda presente Sofia Diogo, como
representante da editora, que deu início à sessão para agradecer a presença do
público e do vice-presidente do Município, passando, de seguida, a palavra ao
Dr. Gonçalo Lopes que se congratulou por a autora ter, mais uma vez, escolhido
o Moinho do Papel para apresentar outra obra sua, já que tal espaço museológico
lhe parece o mais indicado para tais iniciativas, dada a sua histórica ligação
à tipografia em Leiria, pois sem papel não haverá suporte físico para a
impressão. Lembrou ainda que foi em Leiria que, em 1496, foi impressa a primeira edição do «Almanach Perpetuum», de Abraão Zacuto.
A representante da editora no uso da palavra
O Dr. Gonçalo Lopes felicita a autora por ter escolhido o espaço museológico...
... do Moinho do Papel para a apresentação do seu livro
Fui um pouco relutante em aceitar o
convite da autora para apresentar esta reedição ao público de Leiria, mas
quando recebi a obra e, numa primeira leitura, entrei no ambiente ora
fantástico, ora fantasmático, de muitos dos seus textos, logo o meu natural
pendor para o onírico e o surrealista ficou cativado, pois me vi entre
feiticeiras, lobishomens, a aparição de seres malfazejos, ou de mau agoiro, e,
para num outro registo, me encantar com a criatividade e originalidade da
história das “armazonas” e de outras onde perpassam lições de moral, ou de uma cativante
humanidade.
Mas foi uma aventura num território
geográfico e linguisticamente desconhecido para mim. O glossário final não
cobriu todas as minhas deficiências em relação aos vocábulos e expressões
próprias do falar das terras de Moncorvo, mas tal não impediu, nem impedirá
qualquer leitor de acompanhar interessado o desenrolar das histórias contadas,
nas noites quentes, no terreiro da Corredoura, ao luar de Agosto.
Uma intervenção bem humorada da assistência desencadeou a boa disposição..
Mulheres e homens de idade são o
repositório da história viva e vivida da aldeia da Corredoura, contos, lendas e
mitos rurais que a autora terá ouvido na sua infância, ou mediante aturada pesquisa
já como adulta, de onde não anda arredado um certo interesse pela antropologia
cultural, pela sociologia e pela etnografia. São várias as vertentes segundo as
quais podemos abordar esta obra: desde a riqueza de um típico vocabulário
onomástico, aos preceitos e preconceitos ainda vigentes nos anos a seguir ao
fim da Segunda Guerra, naquele espaço muito mais perdido no tempo do que o
resto deste país. Tudo isto traz a autora até nós numa prosa simples, como
simples são as personagens que retrata, mas que, por outro lado, eu também ousaria
classificar de prosa musculada e realista, que não trai as suas origens
transmontanas, nem as personagens a quem dá vida, fazendo com que o leitor as
odeie, ou as ame, consoante a trama em que estão enredadas. Assim, pelo menos
no caso presente, a autora consegue afastar-nos da falsa dicotomia “escrita de
homens / escrita de mulheres”.
A primeira parte desta obra - “Contos ao Luar de Agosto” - são "recontos", porque tais textos, uns mais breves, outros mais extensos, são contos populares recontados pela
autora, mas que, apesar disso mantêm a estrutura do conto oral popular:
brevidade, unidade temática, unidade de tempo, unidade de espaço, número
reduzido de personagens, sendo o diálogo uma característica dominante, que
prende o leitor até à última linha.
Segundo a autora “Estes contos, histórias, poemas, lengalengas fazem parte do nosso
património cultural imaterial. Será a parte menos visível, mas nem por isso a
menos rica. Penso que é um crime deixar que se perca. E seremos todos
responsáveis por tal perda.
É que aquelas histórias alimentavam o
imaginário de gerações de pessoas – na sua maioria analfabetas – e constituíam
uma forma de socialização extremamente importante. Eram também um código de
normas de vida e de princípios morais: o bem vencia, o mal era vencido. E se,
no imediato, parecia o contrário, o bem passava o testemunho a um vencedor
futuro.
Havia histórias brejeiras, picarescas, de
tom irreverente e rebelde, que divertiam, que obrigavam à gargalhada sadia,
porque rir é necessário. Os homens eram os contadores.
Por seu lado, as histórias das velhas tinham
sempre um conteúdo muito denso, pesado mesmo, por vezes arrepiante, com o seu
quê de religiosidade e de magia e o desfecho era, com raras excepções, trágico.” (in Introdução, p.21)
Mariana Neves foi a fotógrafa oficial do "Palácio das Varandas"
A professora Vera Lúcia Pessoa, na sua
tese de Mestrado na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) abordou
a temática dos contos de Júlia Biló Ribeiro com um estudo intitulado «A alma de ferro dos moncorvenses nos
contos de Júlia Biló», no qual afirma que “A literatura popular oral foi, através dos tempos, relevante na
transmissão de saberes e valores ancestrais às gerações vindouras. Esta
literatura de transmissão oral tinha e tem ainda, com a divulgação de contos
como estes, alguma consistência na memória colectiva das gentes mais velhas
desta região, e permanece como factor estético da vida das colectividades
rurais”. (p.20)
Encontro com um grande amigo que veio de longe para assistir à sessão...
Para melhor entendermos o fôlego desta
obra, respigamos do prefácio de Rogério Rodrigues, um acérrimo defensor da
cultura transmontana, este simples parágrafo: “Júlia Ribeiro confere ao diálogo um grande espaço discursivo. O
manejar linguístico torna a sua prosa extremamente visual. Sente-se melhor, e é
visível nos contos, quando o narrador é uma mulher. Ela própria o confessa ao
afirmar que os contos dos homens «não tinham para mim o poder encantatório,
aquela magia das histórias das velhas» (p.15)
Outro encontro com amigos: Carlos Alberto Silva e Luís Mourão
E a sessão terminou com o tradicional autografar da obra apresentada
Este meu texto reflecte apenas, em parte, o que foi
dito na apresentação da obra em apreço, pois procurei fazer, num improviso fundamentado
em leituras colaterais, uma apreciação emotiva dos contos que mais tocaram a
minha sensibilidade, dentro dos parâmetros acima referidos, procurando que a
assistência comigo viajasse pelos territórios mágicos e míticos que esta obra
da Júlia Ribeiro me proporcionou.
Texto e edição de Augusto Mota
Fotos de Mariana Neves, excepto a identificada.
2 comentários:
Foi uma bela sessão e estou a divertir-me «à grande» com o livro, que recomendo vivamente. Parabéns à autora e ao apresentador.
Já quis escrever uma linha ou duas para, pelo menos, lhe agradecer esta fantástica publicação, mas tenho tido o monitor "congelado". O cursor não se move. Desligo, volto a ligar, parece que está tudo bem mas, passados um minuto ou dois congela novamente.
Agora, 4 horas da manhã, com a maquineta a trabalhar em pleno, vou aproveitar para lhe agradecer do fundo do coração e para dizer o quanto gostei do texto, das fotos e de toda a magnífica publicação.
Que trabalheira lhe deu !!
Bem haja, Amigo.
Abraço
Júlia
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