11/01/2006

a estrela de alva

A ânsia da espera desbarata as emoções e não deixa viver o tempo presente que tanto amparámos entre sonhos e vigílias. A saudade do que se imaginou inventa novos pretextos para admirar a paisagem que renasce sobre o corpo da memória e a carícia das mãos.
O silêncio junta os olhares deitados sobre a planície onde outrora cavalos selvagens corriam em direcção ao mar e à liberdade. Hoje pouco se avista para além do cansaço e das intenções que desaguam nas palavras apenas murmuradas.
É Inverno, já. Sabe bem, por isso, encostar as sensações à aragem fria da tarde e esquecer o tempo que despimos das obrigações da quadra festiva. A festa, agora, é a dos sentidos que percorrem a geografia do corpo e traçam novos itinerários para a descoberta do princípio da vida. Se é a alma que procuramos, ela poderá estar na ponta dos dedos e na palma da mão onde, em tempo de sonho e júbilo, já cresceram estrelas.
Agora é nos olhos que queremos a estrela de alva, para com ela avivar e avisar a memória de tudo quanto iludiu o espaço da viagem e das emoções.
Augusto Mota, inédito, in "A Geografia do Prazer", 2000.

3 comentários:

Anónimo disse...

A estrela d'alva será a mesma a que chamo "estrelinha da madrugada" ou "estrelinha do pastor" ? É que a essa, procuro-a sempre com os olhos do corpo e da alma : a primeira a aparecer e a última a apagar-se, ela está lá sempre e quando a olho, acalma-se a dor da ausência para sentir a doçura da saudade. E a alma parte em busca de um novo dia.
Gostava de ver, um dia, ainda, estes textos da "Geografia do Prazer" publicados para além das páginas virtuais...

Anónimo disse...

Eu concordo consigo, amiga Fernanda, mas aqui eles vão muito mais longe e são lidos por muito mais Leitores do que seriam se fossem editados, por exemplo, em livro.
São as virtudes e os contratempos do "mundo" virtual... por vezes tão real!

Anónimo disse...

Depois dos festejos de Natal, este texto traz a lufada de ar novo de um ano a começar.
E os dedos e as mãos e os braços abrem-se num amplexo que colhe a Humanidade.
O humanismo é o "canto" deste Senhor!