16/07/2007

as cidades invisíveis

São invisíveis as cidades que criamos à volta de nós mesmos e dos passos que damos em direcção aos pontos cardeais de uma secreta navegação interior. A nosso bel-prazer lançamos os alicerces de novos horizontes e, serenamente, construímos ruas e avenidas que correm ao nosso lado, mas que, por vezes, nos ultrapassam sempre que é preciso adiantar as pontes de que nos servimos para alcançar o outro lado das palavras.
No seio desta cidade repousa a glória das viagens tantas vezes empreendidas ao sabor de um acaso que disfarça as rotas íntimas da solidão. Por vezes é nas mãos frias que aquecemos o peito abandonado ao ritmo apressado da respiração. E com elas modelamos os edifícios que bordejam as ruas e avenidas da nossa construção. E com elas, em jeito de concha, sorvemos a água das fontes que ornamentam as praças da nossa liberdade. E ainda com elas, agora aquecidas de tanto caminhar pelas sensações adentro, saboreamos os frutos das árvores que soubemos ir plantando ao longo da nossa imaginação.
É nos frutos da liberdade que ousamos descansar os olhos doridos do traçado metódico das palavras que se atrevem a significar o impossível. As cidades possíveis, essas, continuarão a ser invisíveis, mesmo que as pontes das palavras nos levem ao outro lado das emoções.

Augusto Mota, inédito, "Geografia do Prazer", 2000.
Composições de Augusto Mota sobre textos de Carlos Alberto Silva e André Ala dos Reis.

1 comentário:

a d´almeida nunes disse...

O meu amigo (desculpe tratá-lo desta maneira, mas pressinto-o) Augusto Mota anda nestas andanças poéticas! Ligadas à Natureza, às plantas, às flores...
Muito bom dia.
Gostei de tomar conhecimento e apreciar este belíssimo trabalho.
António Nunes