24/07/2007

na esteira de um poeta popular

Manuel Alves faleceu, ao meio dia, de 24 de Julho de 1901, faz hoje, precisamente, 106 anos, porventura consolado com o livro que Tomás da Fonseca lhe entregara tempos antes, mas humanamente triste porque se lhe estavam a abrir as portas do mistério que mais cantou e temeu - a morte.
Não terá sido "o maior poeta do mundo", como proclamou uma velhinha à passagem do funeral, em dia de mercado na Moita.
Também não fora um génio, como pretendiam, exaltados, os intelectuais de Coimbra que aqui vinham admirá-lo.
Mas era, seguramente, o maior poeta possível, de um tempo ( ainda não completamente erradicado ) em que os povos sofriam as suas vidas entre a ignorância e a miséria.
"É o Alves que canta agora,
Senhores, dai-me atenção.
Vou cantar duas cantigas
daquelas que melhores são"

O meu canto principio,
visto que assim me pertence;
mas não quero que alguém pense
que venho em desafio...
Nem eu mereço elogio
da gente que está de fora,
nem minha voz é sonora,
nem tem tal delicadeza...
Sei só dizer com certeza:
é o Alves que canta agora.
Esta pouca inteligência
que de mim estais a escutar,
se ela vos incomodar,
ouvi-me com paciência.
Bem podia a Providência
fazer-me outro Salomão!
Mas faltando esse condão,
peço aqui, seja a quem for,
por especial favor:
senhores, dai-me atenção.
Eu tenho lido na história,
profana, como sagrada;
mas o ler não vale nada
ao que é falto de memória.
Nem tu, do canto ó vitória,
tens momentos que me sigas!...
P'ra tão longe te desligas,
queres sem mim viver sozinha...
Eu com esta voz mesquinha
vou cantar duas cantigas.
Mil romances tenho tido,
dramas de bons escritores,
e sei dizer-vos, senhores,
que nada tenho entendido!
De bons génios tenho lido
páginas de perfeição;
conheço por tradição
obras de crentes e ateus,
mesmo as de João de Deus,
daquelas que melhores são.
Manuel Alves, inédito, poeta popular.
"A Poesia", óleo de Fuseli.

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