06/04/2008

as sementes da vertigem


A caminho do Sete-Estrelo viajo entre a névoa das mãos que a cidade oferece em seu arguto viajar. Viajo pelo lado secreto dessas mãos que afagam a manhã, enquanto o sol desponta criador sobre o vale encantado das emoções, lá onde a viagem se faz de retornos e de lentos progressos a caminho do sal e do mar que se esbate no olhar claro e profundo do horizonte.
A paisagem humaniza-se e restitui as bençãos que damos ao lento acordar da manhã. Os olhos, esses, abrem-se de espanto e sacrificam às mãos as novas sensações que viajam muito para lá desse olhar claro do horizonte, que é, ao mesmo tempo, ternura e fonte onde bebemos a sede deste amanhecer.
A viagem é a paisagem que atravessamos em nossas vidas. As paragens são, então, um outro retorno que progride dentro de nós e por nós. A saída será sempre o mar ao fundo e o banho da alma que se purifica naquela maré que invade os membros todos e disfarça este caminhar ao encontro do significado último de todas as metáforas arrumadas na memória das coisas e dos gestos.
Difícil tal viagem! Mas é nesse contacto que o secreto significado dos sinónimos nos arrebata e vive para além de dois mil anos!
Criar um mundo de outras sensações é deixar que as emoções vivam e morram em nosso espanto e beijem as mãos das floridas manhãs, entre a vertigem e o sexo. Sementes prolíficas estas que compramos à beira dos precipícios e lançamos ao vento para libertar a vida que germina em nossos dedos e no bico adunco das aves que, em voos planados, gritam marítimas liberdades e saúdam a vertigem de tal sacrifício!
Sempre o mar recompensa o esforço e o olhar. Cumpriu-se, assim, o destino da metáfora que alimenta os dias e morre ao longe nas curvas do destino.

Augusto Mota, inédito, in "A Geografia do Prazer", 2000
Textos Transversais de Augusto Mota.

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