canta, filha! não há morte para a tua inocência, não há mãos para estrangular teu canto, não há grades para os de olhos claros, não há muros para quem sempre viveu
do outro lado!
António Simões,1964
da série «POEMASDUM OUTRO TEMPO» foto: Augusto Mota / centro da flor daEsteva(Cistus ladanifer)
Muitas crianças, particularmente as que vivem longe do campo, desconhecem de onde vem o arroz ou como ele se desenvolve. Especialmente a pensar nelas, em 2009, fizemos um vídeo didático no qual a "Cegonha Cici" explica O ciclo do cultivo do arroz.
De algum modo, este vídeo pretende ser também uma forma de preservar o património imaterial, particularmente das gentes da Borda do Campo, uma pequena freguesia situada a sul do concelho da Figueira da Foz, no Baixo Mondego.
Inês Pinto e Sílvio Gaspar
*
Informação suplementar:
As torresque se vêem inicialmente no vídeo são das ruínas do Mosteiro de Seiça, onde, durante muitos anos, funcionou uma fábrica de descasque de arroz. Para mais informação sobre este Mosteiro consultar os endereços abaixo:
Também aparece no vídeo uma referência ao lagostim vermelho. Aqui se deixam dois endereços onde poderá obter informação completa sobre tal praga dos arrozais:
De referir que também existem, ainda hoje, alguns, poucos, arrozais no Vale do Lis, mas que, nos anos 30 e 40, antes das obras de enxugo deste Vale, com os campos inundados durante meses, a orizicultura teve muita importância na economia desta zona, graças à iniciativa da família Carriço, de Seiça, para onde seguia o arroz para a fábrica de descasque. Aqui, em Ortigosa, só se procedia à debulha, com uma enorme máquina tocada a vapor e grandes correias transmissoras que accionavam complexos mecanismos. Recordações de infância!...
De notar que é referido o lagostim vermelho como um dos alimentos da cegonha-branca do Vale do Lis, pois ele também já invadiu, há muitos anos, as zonas húmidas, valas e colectores, chegando a entupir os chupadores das moto-bombas das estações elevatórias que abastecem de água as caleiras do complexo sistema hidráulico de rega dos Campos do Lis.
Disse o vento, enovelando as folhas caídas pelo chão, numa espiral inquieta:
- É chegada a hora, minhas filhas. É chegada a hora do baile de gala.
E arrancando das entranhas a toada de mil instrumentos, pôs-se a soprar uma frenética sinfonia. As folhas, embaladas pelo ímpeto vigoroso do mestre, iniciaram uma coreografia arrojada. Num ritmo crescente, restolharam, rodopiaram e remoinharam, subindo e descendo nos ares, em vertiginoso torvelinho. Até que a chuva, com a sua voz de água corrente, as chamou à razão:
- Acalmai-vos minhas filhas. É hora de descansar. Já podeis voltar de novo ao seio tutelar da Terra. Aconchegai-vos no húmus, bem junto às raízes, e adormecei. A Primavera vos despertará, refeitas em seiva, e logo voltareis a adornar os braços das árvores.
Às ordens do vento -
Num bailarico demente
Giram folhas secas
Até que a chuva as acalme
E adormeçam sobre a terra.
O Mestre convivendo com os visitantes do Cinanima 2003
Aos 93 anos faleceu hoje o pintor Júlio Resende. Desaparece o homem, mas permanecerá a sua vasta obra de toda uma vida dedicada à arte.
O Palácio das Varandas presta homenagem à sua memória, recordando a visita que os participantes do Cinanima 2003 fizeram ao LUGAR DO DESENHO | FUNDAÇÃO JÚLIO RESENDE, em Gondomar, em novembro de 2003, onde o Mestre nos recebeu com toda a simplicidade e vivacidade que o caracterizava.
Para melhor recordar um grande autor e a sua obra, não deixe de fazer uma visita, mesmo virtual, à sede da sua Fundação:
Recentemente a Stencil Arte veio até ao campo, mais concretamente ao norte do concelho de Leiria, à zona circundante de Monte Real, facto a que o semanário «Região de Leiria» tem dado atenção, como está documentado em:
Das intervenções já feitas, a primeira, no muro do cemitério de Carvide, é a mais tocante, pelo mistério, emoção e rigor do traço que transparece de tal silhueta, qual fotografia em alto contraste. Na semana seguinte apareceu, numa parede do edifício da estação da CP de Monte Real, um viajante atrasado tentando, a todo o custo, apanhar ainda o comboio. Mais recentemente um enorme bando de corvos “pousou” em vários pilares, no lado poente do viaduto da A17 sobre o Vale do Lis, viaduto que fica imediatamente antes da praça da portagem de Leiria-Norte.
O mais interventivo artista-mistério, com trabalhos em várias países, é Banksy, tendo ficado célebre a obra que deixou no muro da Cisjordânia, cujas fotos que poderão ver em:
Há, no entanto, que referir um artista português que tem feito sucesso em Londres - Alexandre Farto -, que o diário «Guardian» considerou como um dos 10 melhores artistas mundiais da Street Art. Utiliza o que poderíamos chamar a técnica do baixo-relevo, “esgravatando”, com utensílios apropriados, as paredes de prédios abandonados e de muros velhos, técnica muito mais exigente do que a de uma simples pintura, mas com a qual consegue efeitos deveras surpreendentes. A tal técnica de escultura, alia, por vezes, o tradicional grafitti.
A Stencil Art e os Grafittis são duas modalidadesda ARTE URBANA, cada uma com a sua técnica muito específica, podendo por vezes, no mesmo trabalho, haver uma sobreposição das duas modalidades, por uma questão de economia de meios e de tempo.
Sylvia Plath nasceu em Boston, EUA, em 1932. Teve uma passagem melancólica por Nova York, tentou o suicídio por mais de uma vez, casou em 1956 com o poeta inglês Ted Hughes, foi com ele para Cambridge, Inglaterra. Teve dois filhos. Descasou em 1962, escreveu seus poemas capitais, publicados postumamente no volume Ariel (1965), sua obra mais importante. Dois anos antes, em 1960, lançara o seu primeiro livro, Colossus.
Em 11 de fevereiro de 1963, Sylvia Plath aos 30 anos de idade cometia suicídio inspirando gás na cozinha de sua residência.
Obra
-The Colossus, 1960
-The Bell Jar, 1963
(pseudonym Victoria Lucas)
-Harper and Row, 1971
(edition apparently contains drawings by Plath and a Biographical Note by Lois Ames)
-Ariel, 1965
-Crossing the Water, 1971
-Winter Trees, 1971
-Letters Home:
Correspondence, 1950 - 1963
Ed. with commentary by Aurelia Schober Plath, 1975
-The Bed Book, 1976
-Johnny Panic and the
Bible of Dreams, 1977
Dum cutelo-guichê sem higiafone
senti o frio na nuca e, por broma, imaginei-me na nuca de Antonieta
(referência cultural como qualquer outra).
Dar o pescoço e nem por aférese perder a cabeça
não é para todos quando nos burocratas.
Das doze e trinta às catorze e trinta
estive garrotado e encimado por um letreiro: ENCERRADO.
Estiquei a língua para um frasco de cola,
mas só a mosca dos tinteiros nele arriscava duas das patas.
Meditei (que fazer?) a gasta superfície do balcão
e, português derrotado, pensei:
«Onde veio parar a madeira das naus!»
O tempo demorava a passar como aquela estúpida reflexão
e eu, de grossa língua seca, sentia as ardências todas
do nauta que tragou meia barrica de sardinha.
Das mãos fiz passarinhos cegos contra o vidro,
baquetas ruflando a minha impaciência,
aranhas passeando o que me restava de pescoço.
«Vou pôr-me todo nos olhos, que os olhos salvam!»
e pela ponte pênsil dum olhar passei para o relógio,
que adiantei meia discreta hora.
Do mostrador alcancei uma flor num copo.
Com ela devaneei numa lapela imaginária,
mas o passeio não deu para mais nada.
Tocou a campainha e um contínuo entrou.
«Que faz aqui o senhor? O expediente ainda está encerrado!»,
praguejou o contínuo e, dando meia volta,
correu a chamar o general dos contínuos.
Este veio. Passou-me revista. Não se dignou falar-me.
Ainda hoje gostava de saber porquê.
Às catorze e trinta (três pela minha hora)
uma funcionária aproximou-se do guichê,
levantou o cutelo que me sujeitava,
retirou o letreiro e (até amável!) perguntou-me:
"O senhor o que deseja?"
E era, à beira-guichê, como se não tivesse acontecido nada!
Alexandre O’Neill, in "Tomai lá do O’Neill!",
Lisboa, Círculo de Leitores, 1986
A Bicicleta
O meu marido
saiu de casa no dia
25 de Janeiro. Levava uma bicicleta
a pedais, caixa de ferramenta de pedreiro,
vestia calças azuis de zuarte, camisa verde,
blusão cinzento, tipo militar, e calçava
botas de borracha e tinha chapéu cinzento
e levava na bicicleta um saco com uma manta
e uma pele de ovelha, um fogão a petróleo
e uma panela de esmalte azul.
Como não tive mais notícias, espero o pior.
in: "As horas já de números vestidas", 1981
A Força do Hálito
A força do hálito é como o que tem que ser.
E o que tem que ser tem muita força.
Vai (ou vem) um sujeito, abre a boca e eis que a gente,
que no fundo é sempre a mesma,
desmonta a tenda e vai halitar-se para outro lado,
que no fundo é sempre o mesmo.
Sovacos pompeando vinagres e bafios,
não são nada --bah...-- em comparação
com certos hálitos que até parece que sobem do coração.
"Ai onde transpira agora
o bom sovaco de outrora!"
Virilhas colaborando com parentesis ou cedilhas
são autênticas (e sem hálito) maravirilhas.
Quando muito alguns pingos nos refegos, nas braguilhas,
amoniacal bafor que suporta sem dor
aquele que está ao rés de tal teor.
Mas o mau hálito é pior que a palavra
sobretudo se não for da tua lavra.
Da malvada, da cárie ou, meudeus, do infinito,
o mau hálito é sempre, na narina,
como o baudelaireano, desesperado grito
da "charogne" que apodrecer não queria.
A leitura
(brechtiana)
Não te deixes enrolar!
És tu quem tem de pagar...
Põe o dedo em cada letra.
Pergunta:-Por que estáqui?
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algumas notas biobibliográficas:
Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões nasceu em Lisboa em 1924.
Em 1948, juntamente com Mário Cesariny, António Pedro, Vespeiro e José Augusto França, lança-se na aventura do surrealismo, fruto de uma época, e, que surgia como provocação ao regime político vigente e à poesia neo realista. Em 1950, porém, O'Neill abandona o Movimento Surrealista, manifestando, desta maneira, o seu desagrado pelo rumo simulado e decadente em que o surrealismo mergulhara. O poeta nunca foi de arrigementar-se e o surrealismo obrigava a uma certa disciplina ideológica.
A sua poesia mantém, no entanto, traços surrealistas.
Colabora com " Os Dissidentes " numa exposição.
À semelhança de muitos artistas portugueses, não pôde ser, apenas, poeta. Costumava afirmar que "vivia de versos e sobrevivia da publicidade" e esta foi a maneira mais fácil de ganhar a vida, numa área que requeria destreza e à vontade com as palavras, campo em que o Poeta sentia-se como peixe na água.
O'Neill não criou nenhum vínculo afectivo com a sua profissão. Idealizou algumas frases publicitárias que ficaram na memória, como o slogan, tornado provérbio, "Há mar e mar, há ir e voltar", mas, a publicidade que lhe deu conforto económico, não lhe deu estabilidade, porque, sempre que se aborrecia, mudava de patrão e agência publicitária!
O seu currículo é vasto e diversificado, onde constam colaborações em jornais, revistas e televisão.
A pátria foi o seu tema preferido, e, a crítica o pincel com que pintou paisagens, gestos e costumes quotidianos. "Transbordante de sonhos, sedento de realidades submersas, foi em vida e é em morte, incompreendido e votado ao esquecimento. Esse terá sido o preço que pagou por ter.se recusado a aderir ao populismo fácil." (Truca).
Faleceu em 1986.
Bibliografia
"A Ampola Miraculosa", Cadernos Surrealistas, 1948
"Tempo de Fantasmas", Cadernos de Poesia, Lisboa, 1951
"No Reino da Dinamarca", Guimarães, Lisboa, 1958
"Abandono Vigiado", Guimarães, Lisboa,1960
"Poemas com Endereço", Morais, Lisboa, 1962
"Feira Cabisbaixa", Ulisseia, Lisboa, 1965
"Portogallo mio rimorso", Einaudi, Torino, 1966
"De Ombro na Ombreira", Dom Quixote, Lisboa, 1969
"As Andorinhas não têm Restaurante", Dom Quixote, Lisboa, 1970
"Jovens, Nova Fronteira", Futura, Lisboa, 1971
"Entre a Cortina e a Vidraça", Estúdios Cor, Lisboa, 1972
"A Saca de Orelhas", Sá da Costa, Lisboa, 1979
"As Horas já de Números Vestidas", 1981
"Dezanove Poemas", 1983
"Uma Coisa em Forma de Assim", Presença, Lisboa, 1985
O amor não aprende com o amor, tem sido assim desde sempre. Todos conhecemos histórias lendárias. A literatura nos fornece elementos de sobra para verificarmos as diversas artimanhas que tem o amor para apoderar-se do coração das pessoas. Penélope e Ulisses, Dante e Beatriz, Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Dom Pedro e Inês de Castro... Conhecemos de cor os símbolos pelos quais o amor é representado, o arco, a flecha, o mito do cupido que manipula a flecha até acertar o coração dos mortais, mas é um conhecimento que não produz imunidade.
No romantismo, em uma época em que os casamentos eram arranjados, os jovens apaixonados tinham seus finais no segundo ato.Acabavam nos conventos, na miséria, ou mortos. Outro mito, este cunhado pelo romantismo foi o vampiro. Inventado por Byron e ressuscitado atualmente pelo cinema. Um mito que passou por Drácula de Bram Stocker, como um exercício de libertação, a paixão que nos liberta do eu. As amantes se entregavam completamente ao Conde Drácula, a ponto de lhe oferecer as próprias vidas. Por meio do amor elas se transformavam em um vampiro, de modo que alcançavam a vida eterna. Algo que vai ao encontro do que disse o ensaísta suíço Denis de Rougemont, de que estamos presos à matéria, presos no interior de nossos corpos e a paixão, enfim, permitiria transcender esse aprisionamento carnal.
Rougemont ficou conhecido por escrever no livro «A história de amor no ocidente» que “o amor feliz não tem história. Só o amor ameaçado é digno de um romance”. Sem querer polemizar, pergunto: quem já não teve um amor ameaçado ou uma história digna de romance? Se alguém não teve, é melhor ter. Passar por esta vida sem sentir o desejo de escapar de si mesmo e fundir-se com o outro énão ter vivido plenamente.
Não existe sentimento mais forte do que uma paixão. Algumas são descomunais, terríveis, de derreter os miolos. É arder em febre com lábios e olhos intumescidos e o pensamento se esvaindo como fumaça. É entrar pela porta da lembrança e recordar gestos, pulsações, movimentos e mais uma procissão de acontecimentos que queimam como labaredas. É puro breu.
O consolo é que não somos únicos, sem contar que há narrativas bem piores que as nossas. Não são raras as histórias de amor com finais trágicos. Tristán morre nos braços de Isolda, Julieta nos braços de Romeu. Em «Eneida», a rainha Dido se suicida ao ser informada da partida de Enéas. A inteligente Cleópatra, que tinha uma explícita debilidade por generais romanos, presencia o suicídio lento de Marco António na tumba que dividiu com ele. Por causa de um tremor no coração de um homem, Tróia é destruída e junto com ela uma lista de homens ilustres (Heitor, Aquiles e o próprio Páris...) seduzidos pela magia de Helena. Não é à toa que a paixão nos amedronta.
As histórias são tantas que não há um único ser humano que já não tenha se dedicado à leitura do tema, ou pelo menos dedicado à temática boa parte de seus pensamentos. Todos temos nossas próprias histórias para contar, nossas pequenas tragédias, nossas paixões concretas, escondidas, recolhidas que tocaram o céu, ou o inferno em algum momento. Mas, apesar da nossa pretensa experiência, o amor continua a ser matéria obscura, o reino da confusão e do enigmático. Continuamos a padecer das mesmas ingenuidades, a esperar durante horas por uma chamada telefónica que não chega, a gemer de raiva por sentir fraqueza, frenesi e ser capaz de oferecer ao outro o sacrifício de sua própria inteligência, para não dizer que emburrecemos quando nos apaixonamos. Outras vezes sentimo-nos ridículos, alienados ou envolvidos num amor perverso do qual já se prevê o final: desgraça.
O problema é que somos seres tão pobres, tão precários, tão pequenos, tão egoístas, tão centrados em nós mesmos, em nosso próprio umbigo que não sabemos mensurar o amor. É possível que não saibamos amar. Muitas vezes sepultamos o amor em nome de nossa covardia, nossa vaidade, nossas dúvidas. Acostumamo-nos ao óbvio, ao que pode ser manipulado, às falsas estruturas da compreensão que estão sob o nosso controle como uma forma de preservar nossa condição de seres susceptíveis a paixões malsucedidas.Mas uma hora dessas a flecha nos acerta no primeiro ataque, os riscos envolvidos são grandes, entretanto, recordando os versos de um poeta português, já quase umcliché, sempre vale a pena se a alma não é pequena.