18/09/2011

O Fio de Marta


Abrótea (Asphodelus lusitanicus)
foto: augusto mota

(Lengalonga com fim obrigado a morte)

Madruga
Mandrágora madura
Salamandra
Sermantiga
Ortiga
Murta
Morte
Sabugueiro
Funcho
Roseira brava
Rebenta-boi
Erva-cidreira
Flor de laranjeira
Limonete
Pinheiro manso
Pinheiro bravo
Voo de moscardo
Mocho
Corujão
Charneca,
Pilriteiro
Esteva em flor
Ouriço cacheiro
Brejo fecundo
Lanterna de carboreto
No concerto
Do coreto
Corneta
Bombardino
Rabecão
Pandeireta
Aleijão
Porco capado
Vem comer à mão
Jumento sem tesão
Cão sem rabo
Catraio sem o pão
Pata rachada
Corno partido
Lagar na fermentação
Enxofre
De chofre
Sufocação
Batoque
Chambaril
Porco amanhado
Dependurado
Casa do patrão
Tudo a bem da nação
Viva a castração
Lavoura de pobre
Estrume de porcos
Mijonas no chão
Azeite na talha
Azeitonas no pote
Cal viva no latão
Chouriços de sangue
Morcelas no caldeirão
Pardais nos telhados
Perus no balseiro
Galinhas no ninheiro
Ventas no rodeiro
Canga no cachaço
Açoga de enguião
Abóbora porqueira
Sopa de cão
Dor de caganeira
Vida negra
Trovão
Míldio
Filoxera
Gorgulho no grão
Tudo estragação
Má raios partam a inundação
Pedraço do céu
Rédeas ao pendurão
Velhaco
Faz o que te mando
Deus quer
Deus queira
Não me comes a pinha
Ladrão
É só asneira
Cama ao relento
Palha no chão
Emprenha ovelhas
Dorme com velhas
Chuva na cama
Mijo na manta
Borrada no chão
Com fome
Entrevado
Desprezado
Sacramentado
Por Deus chamado
Pelo homem enxotado
Caminho do céu
Pelo demo levado
Caminho do breu
Fundo do chão
Cal viva no caixão
Rosto lavrado
Mão sobre mão
Tudo pelintrice
Requiescat in pace
E mais não disse
A dor acabou
Lá se foi tudo
Quanto Marta fiou.
                               
                                               PEDRO FRAZÃO, Lisboa, anos 70



Pombal, do artesão Mistério, Barcelos
foto: augusto mota



2 comentários:

Maria Paz disse...

Muito interessante.

António Simões ,Augusto Mota e Gabriela Rocha Martins disse...

Para quem nasceu e viveu na aldeia esta lengalenga, perdão, esta LENGALONGA, é um repositório de palavras e expressões perdidas, surpreendentemente, recuperadas pelo Pedro Frazão. Tão usadas eram pelas gentes ligadas aos trabalhos agrícolas neste litoral a oeste – Campos do Mondego e Campos do Lis –, que, de tão expressivas, não conseguiram desaparecer das nossas memórias da infância e a ela nos fizeram regressar com saudade....
Um abraço de Barbacã para Aqueduto.
a.m.