16/10/2005

( sublimação )

Tudo é tão estranho e subtil, hoje! Hoje o quê? Hoje, sobretudo. Hoje que existo por dom da palavra e da distância verbal de meus desejos e sentimentos. Por isso estou calmo. Talvez por não saber nenhum pronome pessoal para a conjugação do nosso verbo. Calmo por saber que esta ignorância é douta em sua maravilhosa e natural sublimação. Não há castigos, nem promessas do mestre. Há um existir em mãos no sol, em mãos na água, em mãos no fogo, em mãos na terra. Em nossas mãos existe o favor dos pontos cardeais. Por nós o norte, por nós o sul, por nós o leste, por nós o oeste.

Assim virados para o mundo em tal favor, corramos dentro de nós mesmos e abracemo-nos lá onde as mãos parecem calar-se, por grandeza ou complexo, mas onde os olhos já são suficientemente grandes para se aceitarem de imediato.
Augusto Mota, inédito, in "Artifício da Loucura", 1964.

5 comentários:

Anónimo disse...

Aqui encontro, neste estupendo texto de Augusto Mota, um grito alucinado e alucinante ao hoje, enquanto medida de tempo, para calmamente nos levar através dos pontos cardeais ao encontro de nós mesmos.
Que forma mais enganosa de percorrer caminhos inexpugnáveis, porque, ele próprio, se nega em si mesmo...
"por grandeza ou complexo" forma de se afirmar, negando-se. Para, em aceitação, sublimar a sua existência.
De mestre, apesar de o negar!

Anónimo disse...

Dos textos mais conseguidos saídos da "pena" de Augusto Mota.
Pelo menos, dos seus textos publicados.
Como é possível, numa afirmação quase dolente de um estado de alma que se diz calmo para, de imediato, carecer da sulimação desse mesmo estado, como forma de se encontrar a si e ao outro, neste caso, à outra/Mulher, porque na escrita de Augusto Mota, está sempre subjacente o Feminino, ora delineada, ora pensada, ora sonhada, mas, sempre presente. Compulsivamente presente, como uma necessidade vital

( De um fôlego, precisei de escrever tudo isto de um fôlego, antes que a verve me faltasse! )

Daí, e também no caso do presente texto, a maginificência do mesmo...

Espero mais, como este...

Anónimo disse...

Nada fica como dantes neste blog depois da publicação deste texto ( prosa? poesia? prosa/poética? )de Augusto Mota, onde o autor, escondendo ardilosamente os sentimentos que não ousa mostrar, se denuncia, metaforicamente.
E a mulher, fulcro da sua escrita, cola-se, de uma forma sublime, no seu corpo, ora em êxtase ou contenção.
Mas ela está lá. Aqui.

Anónimo disse...

Passeio enquanto os demais jantam...assim entregue ao sonho de encontrar os Artífices em merecido descanso após o "parto"...e a obra nasce,só para mim, escorrendo das mãos e braços de quem, primeiro, a amou...o Autor.

Anónimo disse...

mais uma vez, por falta de "engenho e arte" abstenho-me de acrescentar mais comentários.
de facto, palavras para quê?