21/10/2005

A VIDA E O ECLIPSE*

Andava o senhor poeta na Lua
seu assento predilecto
desde que a Musa encontrou.
A mágica leveza do pensamento
levou o senhor poeta
para longe, muito longe
do real profundo:
feio, pobre, sujo
- misérias do Mundo -.
Se espreitava a Terra,
pela Lua Cheia,
logo o senhor poeta se escondia
no Quarto Minguante.
Sempre pairando
via-se distante
dos outros mortais.
As guerras desconhecia
fome e desemprego
- prosaicos conflitos -.
E assim sem atritos,
nessa rota da noite e do dia
se viu o senhor poeta
tapando o Sol
que a Terra cobria.
Chamaram-lhe eclipse
- a TV disse -
então, assustado
desceu ao planeta.
Sem óculos de fantasia
olhou a Terra.
Viu fome, guerra, injustiça.
Viu ganância e cobiça.
- Viu gente boa também. -
Viu ricos - pobres de tudo -
viu pobres - ricos sem nada -
e nisto de tanto ver
o poeta escolheu:
assento na Lua esqueceu
- mordomia de senhor -
fincou os pés na terra
embrulhou-se na poesia
fez das palavras charrua
lavrou gritos contra a guerra
contra a fome e injustiça.
Foi proleta, foi doutor.
Olhando no alto a lua
em dia de eclipse
foi cientista e profeta
como se o Mundo lá visse
foi folião e asceta
foi menino sonhador.
Foi, finalmente, POETA ( sem senhor ).
*A propósito do eclipse de Sol, visível nesta data em Portugal.
Glória Maria Marreiros, inédito, Lisboa, 3 Outubro 2005.

7 comentários:

Anónimo disse...

De regresso, Glória Marreiros, com um belíssimo poema.
Parece fácil, mas é preciso estar atento às entrelinhas.
São assim os textos desta Senhora.
Parecem tudo dizer, mas não.

Anónimo disse...

Obrigada, Glória, por este seu magnífico poema.
Mais um para, ao deitar, ler aos netos-

Anónimo disse...

Uma doce delícia este poema da Glória Maria Marreiros.
Um apetite!

Anónimo disse...

Ternurento como a Autora.
Parabéns!

Anónimo disse...

Não brinquem com coisas sérias.
Este poema é muito mais profundo do que à primeira vista parece.
Leiam-no com atenção, por favor.
1 bj.

Anónimo disse...

pois é!
vejo-me sempre muito aflita quando tenho de comentar os comentários...

que posso eu dizer?

gosto demasiado da Autora. sou suspeita.

Anónimo disse...

Apesar da suspeição, amiga, aqui fica o registo de um gosto muito especial.
Uma novo poema para os meus netos.
Lindíssimo, Glória...Os miúdos vão adorar...E os adultos não lhes ficarão atrás.
Obrigada, Glória!