lavrando o trigo, o orvalho, o silêncio sagrado,
as árvores do mundo.
Nas planícies resplandecentes, vivo até ao seu último degrau.
Na matéria destruída vivo, cresço.
No domínio das trevas, trabalham os deuses,
os altares, os livros por dentro, as muralhas sagradas.
Pouco a pouco, escuto as portas, os ruídos,
os labirintos de febre, o fulgor das brancas alavancas.
Nas ruas, viajo com a bruma, a chama, o alecrim.
Nas vielas antigas, vivo, cresço.
Nas fachadas barrocas, habita o ouro, o esmalte,
o azul, um violino.
Nos montes, há feno, névoa, nascentes eternas,
santuários sumptuosos, flores de rosmaninho.
Na fonte do Ídolo, uma oferenda, uma inscrição,
um culto antigo -
uma deusa de nome Nabia abençoa o lugar
onde o silêncio flui e os lábios se reúnem.
Nos muros da Sé, uma pedra recorda uma inscrição
de uma sacerdotiza da deusa Ísis.
Às portas da cidade, sou ritmo de chuva, alfazema,
luzeiro de estrelas,
eco da cidade indígena, romana, medieval.
Subo pelas lâmpadas, pelas asas, as alamedas,
os jardins, as janelas brancas.
Em sílabas dormentes, lavro todas as sínteses,
entre cinza, broquéis, coroas de ouro.
Berço de mim, corola acesa, meu corpo é litania,
ardor, dourada semente.
Na pedra indissolúvel, habito a pedra, as criptas, a luz.
Na memória errante, paira o meu nome,
cálice, flor, lira ancestral,
colina verde, lua vaporosa, sacrário do tempo.
Maria do Sameiro Barroso, in "Mealibra", nº 21, Centro Cultural do Alto Minho, Outono 2007, pp. 139-140.
Textos Transversais de Augusto Mota.