18/11/2007

fogo de artifício

Hoje há festa. Subo ao céu da noite agarrado à cana de um foguete de luzes e, de repente, sinto-me pairar sobre o arraial, envolto em flores de mil cores. É fogo este artifício que inunda os olhos e queima as mãos. É de artifício este fogo que desabrocha antecipadamente em nova Primavera, enquanto pétalas de luz desfazem por entre os dedos, riscando a noite em todas as direcções.
É efémera esta viagem aos confins do tempo! Mas os olhos querem ir sempre mais além do que as mãos podem tocar. Por isso voamos sobre a noite da festa, entre foguetes e luzes. Por isso imaginamos o adro, lá em baixo, ornado de recordações e sabores. É o passado que vem até nós, agora na forma de arcos ornados de flores recortadas em papel de seda e cheiros típicos dos Invernos gelados, só aquecidos pelas fogueiras de rua e pelo café da púcara, assente à pressa com uma brasa viva bem soprada. Chega-nos ainda o som das bandas de música dos dois coretos, a tocar ao desafio, enquanto pares de ocasião volteiam à vontade na estrada, até que algum automóvel vem interromper a dança. Que depois segue, ainda mais animada.
Tudo vemos aqui de cima. O tempo. O espaço. A memória. A festa de hoje.
O fogo de artifício continua a subir e o céu já está cinzento de tanto fumo. Vou descer agarrado a um dos minúsculos pára-quedas azuis que um foguete de luzes espalhou, agora mesmo, ao redor da noite.
Tudo vimos lá de cima. O tempo. O espaço. A memória. A festa de sempre.

Augusto Mota, inédito, in "Geografia do Prazer", 2000.
Textos Transversais de Augusto Mota.

4 comentários:

Anónimo disse...

Lindíssimo, Augusto.
E comovente.
Boa noite,
Júlia

Anónimo disse...

É sempre um prazer ler esta escrita que se conquista devaga..... Tenho a certeza, rigor na palavra e beleza lá no baile !
abraço à navegação
JR marto

Anónimo disse...

Os navegadores agradecem a todas as pessoas que, da beira do mar, mesmo quando este está agreste, nos vêem passar ao longe, ou mais rente à costa.
Mas receio bem que, de tanto agradecer, a inspiração venha a esfriar e, depois, nos faltem as forças para içar o cordame e o velame, que mantem a embarcação de velas bem enfunadas.
É que o rigor das palavras está nos olhos, que transmitem às mãos, já calejadas pelos anos, as infinitas sensações deste difícil existir entre viagem e viagem. Depois, nem sempre, o verbo é capaz de satisfazer todos os sentidos do corpo, como desejaríamos, e o desânimo sobrevem quando menos se espera!...

António Simões ,Augusto Mota e Gabriela Rocha Martins disse...

ehehehehehehe!
não digo eu que as Altas Patentes andam demasiado arredadas? estão mal habituadas pelo resto da marinhagem. não tarda que os grumetes e afins façam uma revolta a bordo!!!!!
e depois ,meu Almirante, não diga que não avisámos....
vou.me com a Senhora dos Navegantes ... ehehehehehehe