05/02/2013

Alberto Pimenta - «De Nada»

 
 
 

De Nada (excelente título que nos remete, com ironia e corrosão, para os tratados filosóficos em voga nos séculos XVII e XVIII) podia ser apenas um dos melhores livros de Alberto Pimenta publicados neste século. O que já não seria pouco. Mas a proeza é de outra ordem,  alegoricamente sugerida no texto final do livro (“o trabalho que dá pôr em ordem um caos”) ou  na nota colocada logo a seguir ao índice: “a escrita é contínua (sem interrupções sonoras entre as faixas)”.  O importante não é tanto o facto óbvio de estarmos perante um audiolivro, admiravelmente lido e gravado, mas antes o continuum que este ciclo de poemas reclama ser. Não se trata, porém, de um conjunto harmonioso, elegante ou unívoco.
Voltando uma vez mais as costas à “poesia da poesia”, Pimenta confronta-nos, sem complacências, com a aspereza do tempo que nos coube em sorte:

“mas isso

foi ainda no I Reich

para mais na Baviera

depois veio o II Reich

e depois o III

e agora o IV

chamado Europa.”
Não é só o tempo histórico, com tudo o que possa ter de vil, que este livro denuncia. Vituperado é também o tempo individual, enquanto sinónimo de torpe, ou resignada escravatura:
“o homem aproveita

engenhosamente

o tempo

e nos intervalos

produz os novos escravos

do novo tempo.”
Numa época em que muita poesia parece ter prescindido de qualquer vocação política, Alberto Pimenta inverte sabiamente as coordenadas, esbofeteando em versos limpos e cirúrgicos os economistas andróides ou os católicos assassinos de Gisberta Salce (tema e matéria do seu intenso e denodado “Indulgência Plenária”, publicado pela &etc em 2007). Para que fique bem claro:
“ganir

sim talvez seja isso 

o que devíamos dizer

e é o que ainda por cima

sentimos”
 
Manuel de Freitas, in «Atual», revista do «Expresso» de 12 Janeiro 2013
Fazem parte integrante desta obra 2 CD com os poemas ditos pelo autor, com a participação de Oriana Alves.
112 págs., € 16
Editora BOCA – palavras que alimentam, Lda., Novembro de 2012

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