“De Nada” (excelente título que nos remete, com ironia e
corrosão, para os tratados filosóficos em voga nos séculos XVII e XVIII) podia
ser apenas um dos melhores livros de Alberto Pimenta publicados neste século. O
que já não seria pouco. Mas a proeza é de outra ordem, alegoricamente sugerida no texto final do
livro (“o trabalho que dá pôr em ordem um caos”) ou na nota colocada logo a seguir ao índice: “a
escrita é contínua (sem interrupções sonoras entre as faixas)”. O importante não é tanto o facto óbvio de
estarmos perante um audiolivro, admiravelmente lido e gravado, mas antes o continuum que este ciclo de poemas
reclama ser. Não se trata, porém, de um conjunto harmonioso, elegante ou unívoco.
Voltando uma vez mais as costas à “poesia da poesia”, Pimenta
confronta-nos, sem complacências, com a aspereza do tempo que nos coube em
sorte:
“mas isso
foi ainda no I Reich
para mais na Baviera
depois veio o II Reich
e depois o III
e agora o IV
chamado Europa.”
Não é só o tempo histórico, com tudo o que possa ter de vil,
que este livro denuncia. Vituperado é também o tempo individual, enquanto
sinónimo de torpe, ou resignada escravatura:
“o homem aproveita
engenhosamente
o tempo
e nos intervalos
produz os novos escravos
do novo tempo.”
Numa época em que muita poesia parece ter prescindido de
qualquer vocação política, Alberto Pimenta inverte sabiamente as coordenadas,
esbofeteando em versos limpos e cirúrgicos os “economistas andróides” ou os
“católicos” assassinos de Gisberta Salce (tema e matéria do seu intenso e
denodado “Indulgência Plenária”, publicado pela &etc em 2007). Para que
fique bem claro:
“ganir
sim talvez seja isso
o que devíamos dizer
e é o que ainda por cima
sentimos”
Manuel de Freitas, in
«Atual», revista do «Expresso» de 12 Janeiro 2013
Fazem parte integrante desta obra 2 CD com os poemas ditos
pelo autor, com a participação de Oriana Alves.
112 págs., € 16
Editora BOCA – palavras que alimentam, Lda.,
Novembro de 2012
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