TRAPEZA - a cidade dos circos ambulantes
Há palhaços pelas ruas da cidade.
Há crianças felizes por todas as ruas da cidade. A vida é um permanente
espectáculo de diversão nesta cidade de circos ambulantes. Ao longe já se
avistam as cúpulas frágeis da cidade de lona e ouvem-se os altifalantes gritando
diversão para a humanidade. Trapeza não conhece tristeza. Trapeza não conhece
miséria. Trapeza não conhece guerra. Lá tudo é esforço para superar o homem
aniquilado. Ali há espectáculo permanente de escalada vertical. O homem
sente-se equilibrista desafiando leis naturais que só uma certeza nas suas
reais possibilidades consegue animar. Desloca-se, como funâmbulo, sobre
precipícios aparentemente intransponíveis, com um à-vontade de vitória segura.
Mais ainda, exercita-se mesmo sobre as bocarras escancaradas, como que a
escarnecer das forças que o atraem a cada passo.
E a vitória? A vitória está em
cada aplauso da assistência, está na ressonância de uma apoteose que mais
excita a luta e mais compensa o esforço. Cada espectador avalia bem esta ascese
de movimentos síncronos, marcados como que por um relógio automático que
ordenasse e exigisse correspondência imediata, sob pena de um desarranjo na
máquina propulsora.
É isto Trapeza em seu rítmico
pulsar, onde a respiração dos amantes corresponde a movimentos de espectáculo
circense. Aqui as próprias crianças choram sobre os túmulos dos palhaços flores
de risos aplaudidos e gravam epitáfios de pétalas vermelhas, com poemas de
movimentos dinâmicos, perpetuando sempre o ritmo que animou esta cidade desde a
sua concepção.
Morrem palhaços em Trapeza? Não.
Em Trapeza não morrem palhaços. Em Trapeza os palhaços apenas descansam entre
cada espectáculo e as crianças que gostam de os aplaudir imitam os risos dos
adultos e o choro das próprias crianças que nunca viram palhaços.
Mas em Trapeza também há poetas.
Por isso o homem lá recolheu as últimas esperanças de alegria e lá guardou
todas as crianças que ainda encontrou em si.
Augusto Mota, texto 9 de «Metáfora,», 1960
- Textos de iniciação e reconhecimento.
Publicado em “Texto e Diálogo” / Jornal da Costa do Sol, 8.6.1977
Ilustrações: ARTE POSTAL / desenhos de Augusto Mota, 1962
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