19/12/2013

Tempo de circo 2



TRAPEZA - a cidade dos circos ambulantes




Há palhaços pelas ruas da cidade. Há crianças felizes por todas as ruas da cidade. A vida é um permanente espectáculo de diversão nesta cidade de circos ambulantes. Ao longe já se avistam as cúpulas frágeis da cidade de lona e ouvem-se os altifalantes gritando diversão para a humanidade. Trapeza não conhece tristeza. Trapeza não conhece miséria. Trapeza não conhece guerra. Lá tudo é esforço para superar o homem aniquilado. Ali há espectáculo permanente de escalada vertical. O homem sente-se equilibrista desafiando leis naturais que só uma certeza nas suas reais possibilidades consegue animar. Desloca-se, como funâmbulo, sobre precipícios aparentemente intransponíveis, com um à-vontade de vitória segura. Mais ainda, exercita-se mesmo sobre as bocarras escancaradas, como que a escarnecer das forças que o atraem a cada passo.

E a vitória? A vitória está em cada aplauso da assistência, está na ressonância de uma apoteose que mais excita a luta e mais compensa o esforço. Cada espectador avalia bem esta ascese de movimentos síncronos, marcados como que por um relógio automático que ordenasse e exigisse correspondência imediata, sob pena de um desarranjo na máquina propulsora.

É isto Trapeza em seu rítmico pulsar, onde a respiração dos amantes corresponde a movimentos de espectáculo circense. Aqui as próprias crianças choram sobre os túmulos dos palhaços flores de risos aplaudidos e gravam epitáfios de pétalas vermelhas, com poemas de movimentos dinâmicos, perpetuando sempre o ritmo que animou esta cidade desde a sua concepção.

Morrem palhaços em Trapeza? Não. Em Trapeza não morrem palhaços. Em Trapeza os palhaços apenas descansam entre cada espectáculo e as crianças que gostam de os aplaudir imitam os risos dos adultos e o choro das próprias crianças que nunca viram palhaços.

Mas em Trapeza também há poetas. Por isso o homem lá recolheu as últimas esperanças de alegria e lá guardou todas as crianças que ainda encontrou em si.


Augusto Mota, texto 9 de «Metáfora,», 1960

- Textos de iniciação e reconhecimento.

       Publicado em “Texto e Diálogo” / Jornal da Costa do Sol, 8.6.1977




Ilustrações: ARTE POSTAL / desenhos de Augusto Mota, 1962

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