Mas, se quiser, e, achamos, obviamente, que o deverá fazer, ler todos os pormenores sobre esta obra, e, também sobre a entrevista feita, em 1973, por Vasco Granja, a Augusto Mota e Nelson Dias, faça.o aqui...
Nelson Dias, um pintor que se sentiu atraído pela linguagem da banda desenhada, confessa-nos que este meio de comunicação é a mais específica forma de arte que conhece. Professor de Desenho na Escola Industrial e Comercial de Leiria desde 1964, Nelson Dias acaba de lançar, em edição da Assírio e Alvim aquilo que pode ser considerado o primeiro álbum de narração figurativa portuguesa de concepção moderna: Wanya - Escala em Orongo.
Dias é o autor dos desenhos e a seu lado encontra-se Augusto Mota, que escreveu o argumento deste álbum. Igualmente professor da Escola Industrial e Comercial de Leiria, Augusto Mota tem desenvolvido uma actividade constante na crítica literária e nas artes gráficas, tendo participado em diversas exposições colectivas de pintura.
Para Nelson Dias a narração figurativa é um meio eficaz de comunicação, especialmente em Portugal onde tudo está por explorar num domínio tão vasto e aliciante.
Perguntei a Nelson Dias quais os autores que mais o influenciaram na criação do seu estilo. "Não directamente", respondeu o desenhador, "mas Saga de Xam, de Nicolas Devil, representou muito para mim, estimulando-me bastante no sentido da criação gráfica. Influências de outros autores só por acaso é que as poderia sentir."
Augusto Mota, por seu lado, acha benéfico o aparecimento de Wanya - Escala em Orongo, por permitir um movimento de expectativa em torno de novos autores. Qualquer coisa talvez semelhante ao que está a passar-se em Espanha, onde nestes últimos tempos surgiram numerosos autores de estilos diversos e apresentando criações que nada têm a ver com a produção tradicional. Três anos foi quanto levou a executar este álbum aos seus autores. Claro que este prolongado período só se compreende num país onde os quadradinhos não são ainda considerados como uma manifestação artística. Mas Mota e Dias confiam na boa recepção do seu trabalho por parte do público e da crítica. Ambos estão atentos ao que de mais importante se passa em Espanha, na Itália, na França, nos Estados Unidos. Autores como Esteban Maroto, Enric Slo, Victor de La Fuente, Hernandez Palacios, José Bea, Guido Crepax, Philippe Druillet ou Robert Crumb significam muito para os dois criadores de banda desenhada. Certamente que o impacte gráfico nestes autores é frequentemente superior à validade temática das suas histórias.
Um tipo de narração figurativa tomando como base a crítica da sociedade, ou seja, uma forma de arte de intervenção social, é aquilo que preocupa Nelson Dias e Augusto Mota. Tudo isto é visível em Wanya, onde se nota uma mensagem pacifista de carácter universal, propondo-se a heroína desta história eliminar os derradeiros vestígios de uma civilização que pretende fazer da guerra a sua razão de ser. Tendo perfeita consciência dos problemas que afectam o aparecimento de um estilo português de banda desenhada, Augusto Mota e Nelson Dias sugerem em Wanya uma das vias possíveis para a concretização da actividade normal neste sector da criação artística - reflectir nos quadradinhos os problemas que preocupam o homem, servindo-se de uma concepção gráfica autónoma sem qualquer referência obrigatória às produções estrangeiras.
Wanya - Escala em Orongo é a prova evidente de que pode existir uma banda desenhada portuguesa de qualidade. Mas a última palavra cabe, como não pode deixar de ser, ao público, que decidirá se deve apoiar ou contestar o esforço de Augusto Mota e Nelson Dias.
3 .Convite.
4 .Capa Final de "Wanya - Escala em Orongo"
"WANYA - ESCALA EM ORONGO", UMA TOMADA DE POSIÇÃO NO CONTEXTO CULTURAL PORTUGUÊS
Um acontecimento de relevante importância ocorreu recentemente na Livraria Opinião com o lançamento de um álbum de banda desenhada que se afasta deliberadamente de tudo aquilo que se fez até hoje em Portugal: Wanya – Escala em Orongo.
Os seus autores, Augusto Mota e Nelson Dias, concederam-nos alguns momentos de atenção, durante os quais procurámos avaliar as suas intenções, detectando o que representa para ambos a linguagem da banda desenhada.
Vasco Granja – Diga-me, Augusto Mota, que significa a vossa criação de “Wanya – Escala em Orongo”?
Augusto Mota – Parece-me ser necessário referir, em primeiro lugar, a necessidade de produzir banda desenhada, encarando este facto como uma experiência importante para nós.
É também uma experiência importante editar uma obra como “Wanya - Escala em Orongo”. É também uma enorme responsabilidade para o editor, pois, como se sabe, verifica-se uma certa relutância no nosso meio em editar banda desenhada como uma forma de arte.
V.G. – É portanto uma experiência inédita para vocês.
A.M. – Eu até preferia chamar-lhe, em vez de banda desenhada, um outro nome, por exemplo, narração figurativa, pois de “Wanya – Escala em Orongo” sai um pouco fora do âmbito normal dos quadradinhos na medida em que o grafismo é diferente, concedendo um lugar destacado a uma visão subjectiva, e o texto é utilizado com uma força distinta do habitual, sublinhando determinados aspectos do desenho. Com esta obra, e sem pretender intelectualizar a narração figurativa, tentámos que ela fique enquadrada, no contacto português, dentro do plano de criação cultural positiva.
Por entendermos que muitos dos intelectuais portugueses se afastam de tudo o que seja a narração por imagens, decidimos mostrar que esta deficiência de natureza estética não tem justificação.
“Wanya – Escala em Orongo”, significa portanto uma tomada de posição em relação a certos preconceitos mantidos por uma geração que não aceita a originalidade da narração figurativa.
A IMPORTÂNCIA DA IMAGEM
V.G. – Encara a narração figurativa como uma forma de arte?
A.M. – Sim. Tudo o que é imagem tem um significado muito especial no mundo de hoje. Permito-me destacar a importância da narração figurativa onde a imagem representa uma função diferente daquela que desempenha no cinema ou na televisão, cujo carácter fugitivo não permite o espectador apreender os seus pormenores. Claro, trata-se de linguagens distintas, cada uma delas com os seus próprios princípios.
V.G. – A narração figurativa para si é o meio ideal de comunicação?
A.M. – Para mim, representa alguma coisa mais do que aquilo que nos permite a palavra.
V.G. – Como nasceu “Wanya – Escala em Orongo”?
A. M. – O trabalho inicial deve-se a Nelson Dias, que começou a criar desenhos sem qualquer texto. Executou seis pranchas, mostrou-mas e solicitou a minha colaboração como argumentista.
UMA EXPERIÊNCIA QUE RESULTOU
V.G. - É melhor perguntar a Nelson Dias como a história se desenvolveu…
Nelson Dias – Tudo começou por eu sentir uma irresistível necessidade de desenhar. Sou pintor por formação e toda a minha vida tem sido dedicada à pintura. Mas em certo momento, numa época em que as condições de trabalho não eram muito favoráveis, por não dispor de um estúdio para pintar, decidi começar a desenhar segundo uma óptica particular que é a narração figurativa.
A banda desenhada exige uma disciplina muito peculiar. Inventei uma personagem, sem pensar em qualquer base narrativa, pois nunca pensei que as experiências então feitas levassem à concepção de uma história. Estava convencido de que não passava de uma experiência, da qual acabaria por desistir devido a diversos factores.
Quando cheguei a acumular seis pranchas mostrei o trabalho ao Mota que se entusiasmou e comprometeu-se a elaborar um texto, obrigando-me a prosseguir o que estava feito.
A BANDA DESENHADA É POSSÍVEL EM PORTUGAL
V.G. – Como vê o aproveitamento deste álbum no panorama geral da cultura portuguesa?
N.D. – A nossa preocupação é mostrar que se pode fazer banda desenhada em Portugal. Com conteúdo filosófico tão empenhado como o que estamos habituados a ver na produção estrangeira. Como não há revistas onde os originais portugueses possam ser publicados, a solução que nos pareceu melhor foi a edição do álbum, o que nos permitiu uma maior liberdade de concepção gráfica. A este respeito posso dizer que “Wanya – Escala em Orongo” não teve qualquer imperativo comercial a limitar o nosso esforço criativo
Entrevista com Vasco Granja
(Publicado por Sara Franco)
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