Compota de evocações

Figos de Ortigosa. Fotografia de F.S.M.

Os figos fervilham na marmita, no início da maturação da compota. Da espuma doce e dourada evola-se um vapor aromatizado pela fruta da minha infância. Subitamente, sinto-me acariciada pelo calor terno das tardes daqueles fins de Setembro, sentada com as outras crianças da família junto do tanque do pomar. As nozes eram novas, ainda tenras, de um louro claro; o mel pingava dos figos; alguém trazia da vila pão fresco; sabe ao casar, diziam. Sabedoria popular, misteriosa para nós, mas inocentemente repetida. Sabe ao casar. O tempo, no seu caminhar incansável, come o corpo jovem, esquece-lhe os movimentos ágeis e sábios. Mas, pela magia da cor e do perfume, revive em mim a magia da vida aprendida na idade da inocência; arrasta comigo a tranquilidade que minha alma chamava. Não voltei a ser criança, nem isso é desejável. Recordei tão somente que o fui. E sei que soube ser feliz.

Fernanda Sal Monteiro, 14 Outubro 2005.