Para a Fernanda Sal, esta evocação de Leiria avistada da
Senhora do Monte, temperada com o perfume de outras vivências.
São orquídeas selvagens as flores que desabrocham entre as mãos do entardecer, quando a névoa sobre os montes deixa adivinhar os caminhos secretos que, solitariamente, temos de percorrer através de nós. Ao longe já se acendem as luzes da cidade. Toda a paisagem em volta fica salpicada de amarelo. É a noite qua cai. Os sons que chegam do vale, lá em baixo e muito ao longe, vão esmorecendo no meio da escuridão que, cada vez mais, aviva os sentidos todos e nos faz iniciar o percurso em direcção aos segredos da botânica. São orquídeas as flores selvagens que brotam entre os dedos da madrugada, quando o horizonte avermelhado anuncia o acordar de toda a natureza. Vão-se apagando as luzes dos caminhos que levam à cidade e já chega até nós a azáfama de um novo dia. É a cidade que desperta. As cores dos pomares e das leiras da terra multiplicam-se pela paisagem além, até se confundirem com o verde dos pinhais que desaparecem no horizonte em direcção ao mar. São selvagens as flores que emudecem as palavras que a boca tenta articular, quando o espanto incita os sentidos e o desejo se deixa levar pelos atalhos corajosamente perfumados de tomilhinha ( Thymus zygis ) e sempre ladeados de alecrim ( Rosmarinus officinalis ), rosmaninho ( Lavandula stoechas ) e madressilva caprina ( Lonicera etrusca ). Com tantos e tão frescos aromas fizemos um cesto de ervas do monte e a elas juntámos uns ramos de erva-abelha ( Ophrys apifera ), sargaço ( Cistus monspeliensis ) e roselha ( Cistus crispus ). É o corpo que rejuvenesce. O odor forte da terra dá outro ânimo às palavras apenas segredadas, até se confundirem com os sentimentos que as mãos exprimem em seu lento trajecto de encontro ao tempo que habita a nossa realidade. Augusto Mota, inédito, in "A Geografia do Prazer", 2000.
8 comentários:
Felizarda a Fernanda...
Sim; e a felizarda agradece a oferenda. Com muita amizade e gratidão aceito este cesto de ervas do monte; do monte da Senhora, conhecida pela Senhora do Monte. Estranhamente, há uns anos que não subo a este local, aqui tão próximo,e, ao ler esta evocação, senti todos os aromas silvestres e balsâmicos que aquele chão emana em cada curva vencida, enquanto os olhos perscrutam a variegada paisagem estendida até onde os olhos alcançam. Obrigada, meus Amigos, creio que muito em breve voltarei a subir a Senhora do Monte !
mas a surpresa ainda não está completa, minha Amiga!. bem o desejava, mas, mais uma vez, o blogger não me deixou completá-la hoje... logo, o dia de amanhã será o prolongamento de hoje, já que hoje, o prolongamento de ontem...
isto de sermos pessoas importantes...
que o diga João de Deus!
beijinho.
Ai que mimada que estou a ser ... se me habituo ...
bjs
Um abraço carregado de mil aromas.
Olá, Anamar ! Que bom sentir a sua presença! Agradeço o abraço aromático ! Gostou das sensações visuais e olfactivas que emanam do texto do Mota ? A Senhora do Monte é mesmo assim ; o miradouro deste nosso cantinho e espaço de reflexão e encontro consigo mesmo. Foi caminho habitual percorrido alegremente outrora; evitado por mim em certa época, pois cada aroma, flor,paisagem, canto ou vôo de ave acordavam em mim imagens saudosas; e quando resolvi procurar no monte o ar puro para oxigenar a memória da alma, eis que o fogo desvastador o martiriza e desfigura ... Recusei-me a ir vê-lo assim ! Mas depois de ler este texto, lembrei-me que a natureza já cuidou de sarar as feridas e de renascer das cinzas e que deve estar outra vez bonita, simples, selvagem e natural. E, dentro em breve, talvez tenham notícias da minha subida à Senhora do Monte ! Quanto ao texto que a Maria Gabriela me dedicou, veio tocar a corda profunda de contra-baixo da minha alma de professora ! Como não ficar comovida ???
Um abraço forte para si.
Um doce, ou um acridoce, muito bem doseado!
as meninas e os meninos são um encanto.
desculpem-me, por, ultimamente, ser parca nos agradecimentos, mas, palavra, não tenho sabido para que lado voltar-me.
prometo que vou tentar encontrar-vos, aqui, todos os fins de tarde... tentar, certo?
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