03/10/2005

E(ra) o tempo...

( a meu filho )
A cidade adormeceu na encosta da consciência
dos homens de duplo olhar - angélico satânico.
Irreconhecível, corre o rio à margem de azuis;
as tuas lágrimas perfumam lírios!...
Como gritos sinto coisas aflorarem à memória:
- o copo, a chávena, o gosto infantil do leite bebido pelo pires...
o branco dos lençóis que se estendia até o sol corar o horizonte.
Nos canteiros, as videiras viviam em acidez adunca,
as lavadeiras elevavam cânticos à sombra dos mamoeiros.
Era o tempo em que persistiam buganvílias a janelas fechadas,
e os patos faziam voos rasantes ao superficial suicídio das acácias,
num parecer de sangue manchado a céu aberto.
Seria um prenúncio ou a conjugação de cores que impressionava?
Sei que hoje, meu filho,
as árvores baleadas são acariciadas pelo tempo
que ostenta cicatrizes sem vitórias.
maria gomes, inédito, 2005

12 comentários:

Anónimo disse...

Lindíssimo este poema com sabor a África e a Terra-Mãe.

Eis a paz subjacente em verso que esconde a guerra.

Mas onde adormece a consciência?

Anónimo disse...

Eis uma POETA com maiúsculas.

Anónimo disse...

Só nós MULHERES entendemos, em plenitude, o sortilégio da MATERNIDADE.

Anónimo disse...

uma pergunta assaz pertinente.

mas que sabemos nós de guerra? o que vimos e ouvimos? ou o que sentimos por interpostas pessoas?

infelizmente, as memórias são curtas, Anamar...

Anónimo disse...

concordo contigo, Manuel!

Anónimo disse...

antes um hino à MATERNIDADE, Teresa. como mães e como avós...em duplicado!

Anónimo disse...

Muito belo este texto eivado do sentimento da Maternidade telúrica !
Muito forte e muito terno, Maria Gomes.
Fernanda.

Anónimo disse...

também o achei lindíssimo, Fernanda.

e não fomos apenas nós...

mariagomes disse...

o meu sinceramento agradecimento a todos,

um beijo
maria

Anónimo disse...

não agradeça, Maria, o que merece em triplicado...

... e o "Palácio das Varandas" limita-se a fazer jus à POESIA!

mariagomes disse...

ops... só agora verifiquei a gralha!!!
sincero agradecimento...


beijo
maria

Anónimo disse...

aqui onde tem lugar cativo...

...sempre!