Veneza.
28/02/2006
um outro conceito de Carnaval ...
Zig - Zag Zag - Zig
De Camões a Pessoa. A viagem iniciática.
Acenderam os céus
- núpcias divinas -
Discretas Rosas
Que de Sírius caíram Agora Vénus brilha. Ao centro,
A Secreta Ilha. Possessio Maris ( Fernando Pessoa ) Como cantar a Nau?
Como dizer mar
Coração
Estrela da manhã
Ou Nave Luz? Como incendiar a neve,
O Mundo, No centro da
Cruz?
Maria Azenha, in "De Camões a Pessoa. A viagem iniciática.".
( enviado por Amélia Pais - www.barcosflores.blogspot.com )
27/02/2006
o poeta combatente
"Horrible journée! J'ai assisté, distant de quelque cent mètres, à l'exécution de B. Je n'avait qu'à presser sur la gachette du fusil-mitrailleur et il pouvait être sauvé! Nous étions sur les hauteurs dominant Céreste, des armes à faire craquer les buissons et aux moins égaux en nombre aux SS. Eux ignorant que nous étions lá. Aux yeux qui imploraient partout autour de moi le signal d'ouvrir le feu, j'ai répondu non de la tête... Le soleil de juin glissait un froid polaire dans mes os. Il est tombé comme s'il ne distinguait pas ses bourreaux et si léger, il m'a semblé, que le moindre souffle de vent eût dû le soulever de terre. Je n'ai pas donné le signal parce que ce village devait être épargné à tout prix. Qu'est-ce qu'un village? Un village pareil à un autre? Peut-être l'a-t-il su, lui, à cet ultime instant?"
René Char.
Pyrénés
( "Chante" de René Char )
Montagne des grands abusés,
au sommet de vos tours fiévreuses
faiblit la dernière clarté.
Rien que le vide et l'avalanche,
La détresse et le regret!
Tous ces troubadours mal-aimés
ont vu blanchir dans un été
les doux royaume pessimiste.
Ah! la neige est inéxorable
Qui aime qu'on souffre à ses pieds,
qui veut que l'on meure glacé
quand on a vécu dans les sables.
René Char, in "Commune Présence".
25/02/2006
Poesia Matemática
Rosas trazidas do Hades
quando a aurora desperta,
no ardor delicado de uma frágil Primavera.
Nos cadinhos da luz, na turbulência das fontes,
o seu ardor precipita-se. Outrora, a aurora movia os seus carros, conduzidos
por Hélio.
Sobre marcas doridas, soavam acordes.
Na luz das primeiras lágrimas, só a lírica se compadecia
do ser.
Nas terras verdes da Frígia, Orfeu cantava,
pois nunca dizem adeus os seres que se amam,
se as chamas clamam, mais rubras, nos celeiros ardentes.
Mas as barcas de Caronte velavam,
e a morte, com a sua foice, insinuava requebros,
tormentos. O mundo era então uma ferida aberta, uma ferida
sangrante, e Orfeu cantava, nos mosaicos
que representavam centauros, velhos Silenos,
folhas de acanto. O mundo era então um livro órfico, onde as Dríades,
irmãs de Eurídice, choravam o abraço perdido,
o ardor encontrado,
enquanto Orfeu tangia, na lírica doce, o canto,
a morada imortal,
24/02/2006
noite operática
23/02/2006
o ciclo das sementeiras
22/02/2006
2. Meu Corpo É Agora Um Barco
Do pequeno largo -
O vento arredonda
Os meus sobressaltos e perde-os no ar.
O dia arde ainda na copa das árvores,
Nas asas dos pássaros,
Nos olhos dos velhos
Perdidos no tempo -
Meu corpo é um barco
Ancorado na luz. 3. Voa Meu Corpo Voa, meu corpo,
Na crista do vento,
No bafo do suão
Que arde violento
E varre as planuras
Como um lobo de lume -
Voa, meu corpo,
Ancorado na luz. 4. Falávamos do Tempo Falávamos do tempo -
Tocaste-me ao de leve os cabelos
E foste abrindo clareiras para o vento passar;
Perto, uma mulher cantava em surdina,
Num quintal, encostada a um muro de pedras soltas -
O sol do Alentejo cegava-nos as palavras:
O que íamos dizendo sobre o tempo
Escorria-nos agora dos nossos olhos
Ancorados na luz. António Simões, inéditos,
Évora, 9 de Julho de 1999.
21/02/2006
Cold Cold Heart
Powered by Castpost
xeque-mate
ouço há alguns anos o mesmo ruído que devagar
muito devagar
persiste e dói
.uma cidade ruas desertas esquálidas soerguidas pelo esforço das ervas
.o Castelo restos intactos de muralhas que hoje só têm serventia turística
.escadas que não conduzem a nenhures
.a torre da Sé cujo relógio recorda
no toque
a relatividade da vida
.a morte é como Pompeia
um vasto sepulcro
onde se enterram todos os nossos sonhos
.sob a capa da vulgaridde há sonhos e dor que os comuns não admitem aos sonhadores
.o JJ e o P cada um a seu modo pertenciam a esta categoria
.daí a brevidade das suas vidas
porque a ilusão do acreditar manteve-os e estimulou-os
na essência de um projecto que ambos buscaram
em excelência
- ser em humanismo
empenhados
.com desprendimento
humorados
.com alegria
amados -
no espaço de seis meses
no xadrez da vida
jogaram o último lance
xeque-mate ... in memoriam
"só se vê bem com o coração"
"as coisas importantes são invisíveis para os olhos" ... hoje só
tento resistir ao inevitável
e
cogito
sobre a importância do invisível
.P
em ritmo lento
.JJ
mais acelerado
na força
na fragilidade
na verdade
nas memórias
no querer ir mais além ... ... personificamos a tríade ... gabriela rocha martins, hoje, 21 de Fevereiro de 2006.
Para Ti
Velo? Venho do sonho...
Sinto a carícia leve, irreal, espraiada.
Dourada também.
Como as dunas do deserto afloradas pelo sol que desperta, glorioso.
Vem, inebrante de aroma de flores brancas.
Gardénias da minha juventude, nardos do meu casamento.
Perfumes estremecidos pela sensualidade das noites quentes do verão.
Agora é já azul, fresca.
Onda do mar sereno brincando na areia que desperta do luar do planilúnio.
Fecho os olhos com forte meiguice.
Não quero que a carícia se dilua.
Agarro-me a ela.
Pelas minhas mãos escoa-se apenas a areia.
Do deserto.
Da beira-mar.
A carícia habita a minha memória.
Para sempre viva. Fernanda Sal Monteiro, hoje, 21 de Fevereiro de 2006.
20/02/2006
Mais Ou Menos
numa rua mais ou menos,
numa cidade mais ou menos,
e até ter um governo mais ou menos.
A gente pode dormir numa cama mais ou menos,
comer comida mais ou menos,
ter um carro mais ou menos,
e até ser obrigado a acreditar mais ou menos no futuro.
A gente pode olhar à volta e sentir que tudo está mais ou menos.
Tudo bem.
O que a gente não pode mesmo, nunca, jamais:
é amar mais ou menos,
é sonhar mais ou menos,
é ser amigo mais ou menos,
é namorar mais ou menos,
é ter fé mais ou menos,
é acreditar mais ou menos.
Senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais menos do que mais.
Enviado por Glória Maria Marreiros.
( Adaptado de um poema de autor desconhecido )
19/02/2006
Meandros Translúcidos
atravessam o sono e os incêndios
abrem-se pelas esferas complexas, onde os peixes
silenciosos vagueiam, abrindo a luz do meu nome. Na terra húmida, há sombras assimétricas.
Nelas, revejo os celeiros, as colheitas, as torrentes,
onde o azul se abandona.
Há um clamor nupcial, uma turbulência adormecida,
entre plátanos dourados;
um odor de jasmim moldando a areia misteriosa:
um perfil de veludo, lavrando o ardor, a inquietude,
um octeto de cordas ( uma peça de Brahms )
acompanhando o meu sonho de corais nocturnos. A respiração vive então o seu próprio silêncio inquietante,
os seus meandros translúcidos,
nas arestas pulsáteis que irradiam as artérias vivas,
enquanto um sopro de luz inunda os dedos antigos
de vertebrados fósseis.
O silêncio, esse, renova-se, esquecido, na vertigem branca
dos turbilhões do sono. As árvores expandem-se,voltam a ser verdes,
entre um violoncelo, um perfume lembrando orquídeas,
as vagas negras do mar, o leito silencioso dos peixes:
a espuma celebra essências,
láudano e nenúfares, sombra e cicatrizes,
e a água flutua, na rosa dos nomes,
transformando a líquida fusão que me invade,
quando digo as turquesas, o mar de espelhos límpidos,
Maria do Sameiro Barroso, in "Meandros Translúcidos".
Maria do Sameiro Barroso é licenciada em Filologia Germânica e em Medicina e Cirurgia, pela Universidade Clássica de Lisboa. Exerce a actividade profissional como médica, especialista em Medicina Familiar.
Em 1987 iniciou a sua actividade literária, tendo publicado livros de poesia e colaborado em antologias e revistas literárias. A partir de 2001, a sua actividade estendeu-se à tradução e ensaio, tendo publicado em revisatas literárias e académicas.
Em 2002 iniciou a sua actividade como investigadora, na área da História da Medicina, tendo apresentado e publicado trabalhos, nesta área.
in Antologia "Silves Capital da Palavra Ardente", II Bienal de Poesia de Silves, Abril 2005.
Para Maria do Sameiro Barroso
que vem de tão longe e de tão perto
porque vem de ti do delicado tumulto das tuas vibrações
que são como espirais instantâneas que parecem ir dispersar-se
mas mantêm a delidadeza límpida das suas linhas.
Elas são a relação que se inebria na vertigem dos limites
e te oferecem o mundo como o campo da tua identidade aberta.
Tu és um corpo de meandros em que um sangue solar flui
e como danças dentro de ti as tuas linhas são evidências
imprevisíveis e nunca te deixas fechar mais do que um segundo
porque logo te abres como um leque de cores vibrantes que reúne
e dispersa porque é a relação do universo com a harmonia dinâmica
da variedade elementar que é a matéria da unidade universal.
Se tu te transcendes em cada movimento
é porque tu ascendes constantemente como se a tua coluna fosse
o vento vertical como um enxame de pássaros vertiginosos.
Se tu és quem és é porque a luz no teu corpo voa e vibra
e o teu olhar respira a transparência de um jardim
e a tua boca pronuncia as palavras que são chamas de vento
e são chamas do mar
mas também têm o peso das pedras intactas.
António Ramos Rosa. inédito.*
_______________________________________
17/02/2006
Os Cartoons ...
Reflectindo de Forma Islâmica sobre os Cartoons Ofensivos
( Director da Revista Islâmica Portuguesa Al Furqán )
Dia 8, 22h34
A cabeça incendiada pelo sonho*
No seu canto, há sempre pássaros prometidos,
debicando a doçura,
enquanto as pálpebras descem, os barcos do cansaço;
Sigo as falenas da noite e os astros dobram-se,
na loucura nostálgica de engendrar vísceras, círculos,
versos, escutando a pele, a maresia,
os gérmenes da penumbra. Nas palavras do encanto, anoitecem as sombras
e é tempo de soltar as manchas violentas,
desenhadas a sépia, que dedilham a cor amarela,
trazem cheiros fortes, assinam violetas,
acendendo as dunas,
no esplendor de agarrar as cordas, os nós, os lastros
e iluminar os pássaros, as lâmpadas, a matéria. Há pouco, a cabeça incendiada pelo sonho tecia
as dádivas, o ardor, as teias límpidas,
as cerejas clamavam, na sua língua saborosa,
os cedros gotejavam, e as nuvens cartografadas respiravam o estrépito,
a luz, entre atmosferas túmidas, claras espirais
que teciam texturas leves, em novos lemes,
Maria do Sameiro Barroso, in "Meandros Translúcidos". __________________________________ *Pré-Publicação.
zig - zag zag - zig
____________________________________________
16/02/2006
Poema para Galileu
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
( Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios. )
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Plazza della Signoria...
Eu sei... Eu sei...
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário. Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são. Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo de praia? Esta era a inteligência que Deus nos deu. Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente,
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios. Teus olhos habituados à observaão dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso, estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo
caindo
caindo
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos. António Gedeão, in Obra Poética, 2001.
Galileu Galilei,
matemático, astrónomo e físico italiano, nasceu em Pisa, no dia 15 de Fevereiro de 1564, no mesmo ano do falecimento de Michelangelo e do nascimento de William Shakespeare...
... Em 1632, Galileu publica os "Diálogos sobre os dois maiores sistemas do mundo -Ptolomeu e Copérnico". A obra reproduz uma conversa entre três personagens - Salviati que defende as teses de Copérnico; Sagredo, um observador neutro, e, Simplicius, defensor de Arsitóteles, Ptolomeu e dos dogmas da Igreja Católica. Salvieti é sempre brilhante. Sagredo, cedo, abandona a imparcialidade e passa a apoiá-lo com entusiasmo, e Simplicius é pouco mais que um idiota, ridicularizado do princípio ao fim.
Os Diálogos, porém, acabam proibidos, e Galileu interrogado por várias vezes. Mesmo ameaçado com a tortura, nunca confessa que acredita na teoria copernicana. Vem, no entanto, a ser obrigado a negá-la publicamente, e, posteriormente, sujeito a prisão domiciliária. Falece a 8 de Janeiro de 1642.
"Conversas Vadias" - Agostinho da Silva.
Para Agostinho da Silva, porém, ficou uma questão no ar - o que é Cultura Geral?Uma vez que o Ministro da Educação ( à época ) colocou uma prova de cultura geral para admissão à Universidade, o filósofo ficou muito espantado porque ninguém lhe conseguiu explicar o que era isso de cultura geral......e que se saiba, nem esse nem os Ministros que vieram depois lhe responderam a essa importante questão... RTP-Memórias. Entrevista dada a Maria Elisa, em 1990 e repetida na noite de 18 de Dezembro de 2004.Crente é pouco sê-te Deuse para o nada que é tudoinventa caminhos teus. Agostinho da Silva - Poema.
08/02/2006
Ancorados na Luz
Este meu corpo é que me revela aos outros.
É ele, não há dúvida; toco-lhe apenas
Para comprovar a sua materialidade.
Pesa uns quilos ainda, ocupa o seu espaço
Na casa e no mundo.
Tropeçam nele, reparam nele;
Às vezes, há até quem lhe faça uma carícia,
E ele arrulha de felicidade. A alma, claro, a alma;
Esta minha alma escondida dos outros,
Sinto-a vibrátil sob cada poro da pele;
Vasta como o universo,
Cheia de recantos sombrios,
Vales iluminados,
Carregada de memórias,
Cheiros, sabores e saberes,
Onde ecoa ainda
O grito que eu dei relutante ao nascer,
E o espanto e o encanto de estar vivo
Que me assoma amiúde aos olhos. A alma e o corpo, isso, os dois:
Um dentro do outro,
Os dois que são um só,
O corpo que apodrece feliz
Dentro da alma,
Diluindo-se nela pouco a pouco. A alma, isso, a alma outra vez,
Triunfante, definitiva,
Com todas as memórias do que foi,
Com a história do crescer do corpo,
Do amanhecer do amor,
Da emoção, do orgulho de envelhecer
Em sabedoria e ternura,
Para que um dia, ah, um dia,
Possa viver, para sempre, rarefeita, irmã do ar,
Ancorada na luz.
António Simões, inédito,
Évora, 9 de Julho de 1999.
06/02/2006
Quando é que o vento te levanta no ar?
Tolhe-te os passos, os voos;
Os braços de chumbo tombam
Para o chão; o penedo da voz,
Sempre que falas,
É duro como o granito -
tudo isso pesa, pesa demais,
Para ascenderes ao alto,
Lá onde as fibras subtis do vento
Tecem os tules, as ténues neblinas
Com que se enredoma a manhã. Há ainda essas tuas pernas de basalto,
Esse teu coração pesado de tanta dor,
Os olhos onde as lágrimas
São de lava incandescente
Que te irrompe das entranhas -
Não sabes como irás sobreviver,
Mas talvez ajude saber
Que aquela que te deixou para sempre,
Aquela cujas cinzas
Espalhaste para dentro da terra,
Está à tua espera numa curva do tempo,
Numa curva do sonho,
Para te levar consigo
Para o prometido regaço dos deuses.
Vá, senta-te à porta da tarde,
E deixa que o rumor das vozes crepusculares
Dos que regressam a casa famintos de ternura,
E os ruídos da terra,
E de todos os seres que se preparam
Para mergulhar na noite,
Te envolvam corpo e alma -
E aligeirando-te essa dor infinita,
Encontres no perfume
Das rosas que perto te inebriam,
O impulso decisivo para que ascendas no ar
E regresses ao amado coração de tua filha. António Simões, inédito, 2002.
Paisagens Coaguladas
"-Nasciam folhas de ouro se alguém,
sorrindo, respirasse."
-Herberto Helder.
Respirava a inocência, a mecânica celeste, uma camélia
entre as mãos.Loucos eram os animais esvaziando o crepúsculo.
Fluíam escarpados cinzéis,
os violoncelos nocturnos inundando a cabeça
e a lua excêntrica crescia, sobre os nós desfeitos. Todo o silêncio irradiava paisagens coaguladas,
geografias de luz cruzando a permanente vertigem. Na beleza abrupta, eu era única e autêntica, como um fruto,
e descia pelo sangue tumultuado que circulava pelo éter,
na luz das figuras enraivecidas. Na flor desordenada, nada como esquecer-me,
nos fluidos arquipélagos,
e precipitar-me na natureza, nos seus ramos vivos
que queimam e jorram o mel, por cima do coração. Eu era enfática, como uma paisagem.
E os lírios tocavam-me, com a sua beleza lívida, elevada
entre os frutos e os malmequeres,
e tinham voz, os lírios e um corpo acelerando,
ao ritmo das musas que se contraem, na sua letargia
de ouro, e olhos que sorriem, como lacunas verdes. A voz de Deus descia das suas abóbodas densas,
lavrando os seus pelimpsestos luminosos de luz e indiferença.
Nas oscilações do corpo, a aurora manobrava o acaso.
Nas ressonâncias íntimas, o ouro soerguia-se
e o incenso queimava, no seu hálito branco. Metida dentro do seu corpo, dizia para mim:
-Nada me confunde. Sou uma estrela petrificada.
E num arrebatado terror respirava. O tempo ardia, urdindo, nas suas membranas de sangue
e absinto, uma haste desnuda, uma semente isolada,
uma corola lentíssima,
Maria do Sameiro Barroso, inédito, in "Idades Sonâmbulas".
05/02/2006
Testamento
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos, lavrados
em cristal, límpido e puro...
E aquela virgem esquecida
rapariga sem ternura,
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo,
ofereço-o àquele amigo
que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
das contas de outro sofrer,
são para os homens humildes,
que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
esses, que são de dor
sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança
desesperada mas firme,
deixo-os a ti, meu Amor... Para que, na paz da hora,
em que minha alma venha
beijar de longe os teus olhos, vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
oferecê-los às crianças
que encontrares em cada rua.
"Testamento", versos de Alda Lara
cantados por Teresa Tarouca.
Powered by Castpost
Alda Lara ( Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque ) nasceu em Benguela, Angola, a 9 de Junho de 1930 e faleceu em Cambambe, a 30 de Janeiro de 1962. Veio, porém, muito nova para Lisboa onde fez o 7º ano do liceu. Seguidamente, frequentou as Faculdades de Medicina de Lisboa e Coimbra, tendo-se licenciado nesta última. Foi casada com o escritor Orlando Albuquerque que se propôs editar-lhe, postumamente, todos os poemas num volume e os contos num caderno.
Da sua obra poética destacam-se "Poemas", 1966, "Poesia", 1979, e, "Poemas", 1984.
Após a sua morte, a Câmara Municipal de Sá da Bandeira, actual Lubango, instituiu o Prémio Alda Lara para Poesia.
Presença Africana
E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a irmã-mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto!...
- A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do desdém
nascendo dos abraços
das palmeiras...
A do sol bom,
mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...
Sim!, ainda sou a mesma.
- A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
( Rua 11... Rua 11... )
pelos negros meninos
de barriga inchada
e olhos fundos...
Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...
E eu revendo ainda
e sempre, nela,
aquela
longa história inconsequente...
Terra!
Minha, eternamente...
Terra das acácias,
dos dongos,
dos cólios baloiçando,
mansamente... mansamente!...
Terra!
Ainda sou a mesma!
Ainda sou
a que num canto novo,
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu Povo!...
Alda Lara, in "Poemas" ( "Sanzal Angola" de Carlos Pereira Gomes ).
03/02/2006
02/02/2006
Mozart in Egypt
na periferia do esquecimento
Ainda me lembro ...
Era de Fevereiro, o dia primeiro.
A aragem corria. Era noite e dia parecia
e o sol sorria à lua que beijá-la queria.
Ao primeiro vagido a parteira exclama. É Menina!
É Menina!
O pai timidamente assoma à porta. Hesita...
A mãe exausta, sorria aliviada. É menina.
E bonita, acrescenta a parteira. !-Que nome lhe dar?
Por mim - diz o pai - seria Gabriela, como sua mãe. Passa o tempo. A Menina medrava, a Menina corria,
a Menina estudava, estudava e sabia.
Gabriela amava, amava e escrevia. Escrevia prosa, escrevia poesia.
Um dia...
Eu, que vira nascer a menina como se lá estivera,
reparei que - sem trono - se tornara Princesa
e dentro de si era sempre Primavera. Glória Maria Marreiros, inédito.
01/02/2006
as cores do arco-íris
ao som dos "Omen Sore" dos "Era", reencontro, ao virar a esquina, Jorge Listopad, Vergílio Ferreira e Inês Pedrosa, e, peço-lhes emprestadas as palavras ...
baixo o volume.