25/02/2006

Rosas trazidas do Hades

O amor é feito de lacunas incessantes que ferem, embebedam,
quando a aurora desperta,
no ardor delicado de uma frágil Primavera.
Nos cadinhos da luz, na turbulência das fontes,
o seu ardor precipita-se.
Outrora, a aurora movia os seus carros, conduzidos
por Hélio.
Sobre marcas doridas, soavam acordes.
Na luz das primeiras lágrimas, só a lírica se compadecia
do ser.
Nas terras verdes da Frígia, Orfeu cantava,
pois nunca dizem adeus os seres que se amam,
se as chamas clamam, mais rubras, nos celeiros ardentes.
Mas as barcas de Caronte velavam,
e a morte, com a sua foice, insinuava requebros,
tormentos.
O mundo era então uma ferida aberta, uma ferida
sangrante, e Orfeu cantava, nos mosaicos
que representavam centauros, velhos Silenos,
folhas de acanto.
O mundo era então um livro órfico, onde as Dríades,
irmãs de Eurídice, choravam o abraço perdido,
o ardor encontrado,
enquanto Orfeu tangia, na lírica doce, o canto,
a morada imortal,
sobre as rosas trazidas do Hades.
Maria do Sameiro Barroso, pré-publicação in "Meandros Translúcidos".

4 comentários:

Anónimo disse...

Eu sabia. Os deuses andaram por aqui... e ainda bem!

Anónimo disse...

Numa fria noite de Carnaval, em que não apetece sair de casa, sabe muito bem reler Poesia.
E quando a mesma tem a qualidade desta, ainda a nossa alma fica mais aconchegada.
Um abraço, Maria do Sameiro.

Anónimo disse...

Regresso a este são convívio, depois de algum tempo de ausência, para testemunhar a superior inteligência que continua a imperar neste blogue.
Um abraço folião.

Anónimo disse...

Um poema digno da sensibilidade feminina da sua autora.