01/02/2006

as cores do arco-íris

à Queen Glory
( Glória Maria Marreiros ),
à Fernanda Sal Monteiro,
ao Augusto Mota,
ao António Simões,
ao Nuno Verdasca
aos Amigos ...
ao som dos "Omen Sore" dos "Era", reencontro, ao virar a esquina, Jorge Listopad, Vergílio Ferreira e Inês Pedrosa, e, peço-lhes emprestadas as palavras ...
baixo o volume.
as ideias e os sons atropelam-se.
imagino-os brincando uns com os outros e escrevo em jeito de iniciação que o dia nasceu toldado de cinzento, como os políticos. não há uma aragem no ar frio. qualquer coisa se anuncia e as árvores do quintal sabem-no. quietas. perfiladas, aguardam. eu mesma me imobilizo, como elas, em espectativa. há um escuro que vem do lado do mar. é urgente mudar a cor do arco-íris sob pena de confundirmos o passo e o compasso. a realidade e a utopia. arrefece.
elevo o som.
paro e escuto.
será que ainda me apetece resistir?
as árvores respondem-me em silêncio ...
a música retoma, de novo, o lugar da palavra.
as ideias atropelam-se.
redimo a nobre arte. e volto a perguntar o que
dizer dum escritor, dum pensador, duma mulher ou de um homem que odeiam ser apenas mais um entre os demais? eventualmente, serão grandes depois de mortos(as), se seguidos(as) de canonização, em caso de manifesta esquizofrenia. mesmo assim, é necessário que deixem obra. deixá-la, porém, é obra! ... é por isso que pessoas como Natália Correia, Fernando Assis Pacheco e/ou José Carlos Ary dos Santos não poderiam ser em vida o que foram depois de mortos.
"glória para um lado, boémia, idealismos e decilitros para outro. de preferência, com a morte a separá-los."
meu pobre e provinciano país que só se reclina ao medíocre e ao pedante.
que bom não ter nada.
absolutamente nada.
vertirmo-nos de música e calçarmo-nos de ideias.
face à realidade, volto a questionar-me porque há-de ser sempre assim. acaso não há vislumbre de mudança?
claro que há. por isso teimo. teimamos. nós, os resistentes.
nesta aleivosia que repetem conduzir-nos a nenhures, há uma inquietação e um profundo mal estar que nos embala ao ritmo lento da terra.
elevo o som da música.
retiro os auscultadores.
o silêncio, neste momento, não faz sentido.
oiço "Divano" e
deixo-me envolver nos sons, banhada numa alegria íntima, sem reconhecer a razão de estar alegre.
será a atracção pelo abismo, a certeza absoluta de não domínio, o que ora me inquieta, ora me fascina?
antes de sair do "windows" e encerrar o computador, reencontro, também, Honegger que, em surdina, me afirma - "se é bem verdade que tudo pode abandonar-nos e desaparecer, porque há um princípio e um fim, não é menos verdade que a nobre arte de bem governar, apesar de todas as vicissitudes e incoerências, permanecerá para além da mísera ficção de cada um de nós". torna-se cada vez mais escuro o cinzento deste lado do mar.
urge alterar as cores ao arco-íris
(pré)anuncia-se,
e, as árvores do quintal sabem-no.
gabriela rocha martins, inédito.

4 comentários:

Anónimo disse...

Muito bonita esta passagem das legendas ao texto.
Esta enorme cumplicidade existente entre os Autores deste blogue enaltece os seus Visitantes e dignifica os Autores.
Há uma linguagem subreptícia entre eles que, quando julgamos entendê-la, eles escamoteiam, baralham as cartas e voltam a dá-las de um modo novo e sempre diferente.
De Mestres estas jogadas!

Anónimo disse...

Será que as árvores sabem que é este o canto dos deuses?

Anónimo disse...

Depois de visualizar um poema como o publicado na anterior postagem, fica-nos a respiração em suspenso com a actualidade deste texto superiormente escrito e fruto de uma inteligência invulgar.
Um abraço solidário, minha Amiga!

Anónimo disse...

O dia nasceu toldado de cinzento para o lado do mar, mas, pela magia das palavras que traduzem a sensibilidade e a ânsia de viver com as cores do arco-íris de novo avivadas, o milagre deu-se, e o dia fez-se doirado e AZUL. Belíssimo texto! Feliz dia, Maria Gabriela!