17/02/2006

A cabeça incendiada pelo sonho*

Nunca são despovoadas as noites dos poetas.
No seu canto, há sempre pássaros prometidos,
debicando a doçura,
enquanto as pálpebras descem, os barcos do cansaço;
Sigo as falenas da noite e os astros dobram-se,
na loucura nostálgica de engendrar vísceras, círculos,
versos, escutando a pele, a maresia,
os gérmenes da penumbra.
Nas palavras do encanto, anoitecem as sombras
e é tempo de soltar as manchas violentas,
desenhadas a sépia, que dedilham a cor amarela,
trazem cheiros fortes, assinam violetas,
acendendo as dunas,
no esplendor de agarrar as cordas, os nós, os lastros
e iluminar os pássaros, as lâmpadas, a matéria.
Há pouco, a cabeça incendiada pelo sonho tecia
as dádivas, o ardor, as teias límpidas,
as cerejas clamavam, na sua língua saborosa,
os cedros gotejavam,
e as nuvens cartografadas respiravam o estrépito,
a luz, entre atmosferas túmidas, claras espirais
que teciam texturas leves, em novos lemes,
semeados
entre astrolábios de cinza.
Maria do Sameiro Barroso, in "Meandros Translúcidos".
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*Pré-Publicação.

4 comentários:

Anónimo disse...

Como é bom embelezar os nossos olhos com poemas como este.
Maria do Sameiro é daqueles poetas que nunca nos cansamos de descobrir.
Obrigada pela beleza, Maria!

Anónimo disse...

Um poema escrito por uma sensibilidade bem cuidada.

Anónimo disse...

Obrigada, Maria do Sameiro, pelos seus belíssimos poemas.
Um abraço, Amiga!

Anónimo disse...

(Porque as palavras nunca são demais.)
O voo rasante do pássaro que lhe segredou o poema.
O incontinente soluço.
O abraço.
Até.
(Porque as minhas palavras são demais.)