08/02/2006

Ancorados na Luz

1. A Rarefação do Corpo
O corpo, claro, o corpo;
Este meu corpo é que me revela aos outros.
É ele, não há dúvida; toco-lhe apenas
Para comprovar a sua materialidade.
Pesa uns quilos ainda, ocupa o seu espaço
Na casa e no mundo.
Tropeçam nele, reparam nele;
Às vezes, há até quem lhe faça uma carícia,
E ele arrulha de felicidade.
A alma, claro, a alma;
Esta minha alma escondida dos outros,
Sinto-a vibrátil sob cada poro da pele;
Vasta como o universo,
Cheia de recantos sombrios,
Vales iluminados,
Carregada de memórias,
Cheiros, sabores e saberes,
Onde ecoa ainda
O grito que eu dei relutante ao nascer,
E o espanto e o encanto de estar vivo
Que me assoma amiúde aos olhos.
A alma e o corpo, isso, os dois:
Um dentro do outro,
Os dois que são um só,
O corpo que apodrece feliz
Dentro da alma,
Diluindo-se nela pouco a pouco.
A alma, isso, a alma outra vez,
Triunfante, definitiva,
Com todas as memórias do que foi,
Com a história do crescer do corpo,
Do amanhecer do amor,
Da emoção, do orgulho de envelhecer
Em sabedoria e ternura,
Para que um dia, ah, um dia,
Possa viver, para sempre, rarefeita, irmã do ar,
Ancorada na luz.
António Simões, inédito,
Évora, 9 de Julho de 1999.

4 comentários:

Anónimo disse...

De mãos dadas - qual corpo e alma - vamos juntando a nossa voz à deste Poeta do Amor. Talvez assim seja possível, sonhar de novo, com um amanhã melhor.
Então, Fernanda!? Quem é que, agora, tem faltado à tertúlia de fim de tarde e noite?
Um abraço, minha amiga!

Anónimo disse...

Cá estou, cá estou, Anamar ! A ler sentidamente as dores de cada um. mas tenho tido pouco tempo, porque tenho cá em casa o meu oitavo benjamim. Leio, comovo-me, mas não tenho tempo para muito mais.
Um abraço para todos.

Anónimo disse...

Também eu não tenho andado muito famosa. A vida, às vezes, faz-nos grandes partidas. E, não sei realmente o que é pior, se perder, porque desaparecem, para nos acompanharem numa outra dimensão, mas felizes, se aqui e infelizes. Não sei. Às vezes, tenho as minhas dúvidas e chego a preferir não ter, porque, o que parece um paradoxo, não tendo, tenho, o que não tenho, tendo...
Loucuras de fim de noite...
Um abraço e até!

Anónimo disse...

Querida Amiga ! O nosso destino é ir vivendo, com a saudade do passado, do presente e até do futuro. Mas viver é uma graça, um luxo, até ;temos então o dever de viver a vida o melhor que soubermos, pelos que partiram, levando-nos, pelos que vivem e nos esperam e por nós. Ninguém diz que viver é fácil, e a dúvida aí está para o lembrar !! mas viver é um dever nosso e "Gracias a la vida que mi ha dado tanto..." mesmo o saber duvidar, para nos agarrarmos ainda mais a ela, por nós e pelos nossos. Um grande beijo.