29/09/2005

as estrelas-do-mar

Que mares e que marés inundam as praias do nosso viver? São os braços que, cansados, se esforçam por nadar por entre as vagas de uma melodia celta a caminho da harpa das ilusões. São os dedos que, cansados, iludem o timbre das cordas num desenho novo dos sons. São os olhos que, cansados, já não lêem a partitura escrita nas pautas do vento. São os pés que, cansados, já não percorrem os trajectos do corpo.
Ouvimos, agora, os sons do vento leste como se uma harpa imitasse os longos e prolongados murmúrios das marés em noite de lua nova. E esperamos que o auge da maré-cheia lance à praia as estrelas-do-mar ( Astropectum irregulares ) que enfeitarão o firmamento de nossas mãos e as pautas de todas as melodias. Com elas desafiaremos os esforços dos mares e das marés. Com elas em nossas mãos saberemos ler as partituras do vento e iluminaremos os trajectos do corpo, nadando entre vagas e ilusões.
Depois de cumprido o ritual de tal viver, as estrelas-do-mar serão, de novo, cadentes, para riscar a noite em direcção ao mar alto, onde se apagarão para repetir o ciclo das marés e do corpo.
Augusto Mota, in "Geografia do Prazer", 2000 ( inédito )

3 comentários:

Anónimo disse...

A surpresa nada surpreendente de um regresso na escrita.

Nada fica por completar neste multifacetado e brilhante Autor.

Que melodia de mares e de corpos molhados em que as estrelas se multiplicam em outras estrelas...cadentes!

Anónimo disse...

No vai e vem do mar
lanças a tempo inteiro,
teu engenho.

- Quem te negou as asas pondo o voo
nas aves lançadas ante ti?

És a beleza indescritível da Língua que comandas
e existes, enquanto leio, na linguagem do indizível.

Anónimo disse...

pelo Augusto Mota que teima ( estou a brincar! ) em não aprender a "arte" de comentar, a gerência agradece... e eu também!