Agora, uma flor sai da fenda
mais alta da muralha e muda a cor
da pedra à volta, dá-lhe novo brilho
como se o tempo fosse um arco vivo. Húmido canto chega deste rio
que foi lugar de festa e de viagem:
ainda se ouve um canto nesta margem,
um alaúde, um baile, a dança leve. Chegaram os cruzados e o silêncio
tocou o fundo da água da cisterna. Dispersaram-se os sons do alaúde
nos jardins do alcácer, onde as fontes
acompanhavam vozes e corriam
para um tempo de terra e poesia. E alguém chorou a sorte destes campos
que, um pouco mais a sul, vêem o mar.
Alguém deixou a marca para sempre
de um perfume mais branco que as partidas. Guardam flores de sangue alguns caminhos.
Os guerreiros passeiam sob as naves Chega do mar um vento luminoso
que toca a pedra ruiva do castelo:
traz o gosto da amêndoa, da laranja,
das rosas bravas, soltas sobre a terra. O Garb Al-Andaluz mostra as ruínas:
nos poços, nas cisternas de arenito
corre, ainda, o perfume dos vestidos,
esvoaçando leves sobre os corpos. Quem dera ouvir, agora, Ibn Ammar
a ciciar os versos da paixão!
Quem dera, em Silves, ver Al-Muthamid
a oferecer-lhe a rosa do perdão! Quando chega o perfume incandescente
dos laranjais em flor, canela e tâmara,
ouvem-se versos soltos, prolongados
pelas margens do Arade, o mesmo rio. De Abu-Afan não falam as memórias:
já os candis se apagam sobre o mar. Firmino Mendes, in "A Terra e os Dias",
Pedra Formosa, 2000.
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