13/05/2005

Cumplicidades

a resposta prometida ao sandro william junqueira

"Era um outro cheiro, uma outra pele, um outro livro. Um outro livro que não continha o nosso verso. "Não sei como dizer-te que a minha voz te procura". Tu não eras. Não era a tua boca nem os olhos. E eu já assumindo o erro e a culpa, com a vergonha plantada nos meus olhos disse: Desculpe. Enganei-me. Pensei que era outra pessoa. Mesmo assim sorriste depois do espanto. Disseste-me: Não faz mal. É sempre bom receber um abraço, ainda que de um desconhecido. E eu virei-te mais uma vez as costas e deixei-te. A ti e aos livros. Ficaste só. A sorrir branca para mim como na última noite e eu a querer só a morte. Só a cova para me enterrar. Ficaste só, desarmada no meio dos livros. A empregada de balcão ainda não tinha voltado do armazém. Ainda não tinha encontrado os números. Ou talvez as palavras necessárias para contar os livros, os números. Ou talvez, mais uma vez me tenha enganado - sabes como a minha imaginação é gorda - e ela tenha ido simplesmente à casa de banho". -
Sandro William Junqueira.

8 de Maio de 2005, sábado
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não se queira encontrar a beleza na cidade
os cactos preferem a areia do deserto
há dias em que os poetas andam por ali
e sábado foi um desses dias
um poeta caminha na areia fina. enterra os pés. avança um passo e depois outro
o silêncio no deserto
senta-se na areia. esconde as mãos no chão branco de vegetaão pálida
imagina caravanas de tuaregues sobre as dunas
tons de fogo
o poeta recria o cenário
... era um outro cheiro, uma outra pele, um outro livro. Um livro que não continha o nosso verso...
levanta-se e avança no imaginário do outro poeta. entre si e o outro a cumplicidade de tudo o que não se perde
a fantasia
esse mundo em que os sonhos se misturam aos segredos e estes ao desvendar das mais profundas verdades
os sonhos - cogita o poeta - devem explicar-se por si mesmos, mas, para isso é preciso viajar interiormente, enfrentar a própria sombra
a sombra é o seu guia. reveste-a de mil cores na paleta irreal da poesia
é, então, que o poeta regride ao segundo zero. ao vazio. ao preciso momento do cotacto. a explosão. o big bang
está só e é noite. o infinito é o seu limite
mas o que existe nessas terras interiores e nesses territórios desconhecidos? - pergunta o poeta
... é sempre bom receber um abraço, ainda que de um desconhecido. E eu virei-te mais uma vez as costas e deixei-te. A ti e aos livros. Ficaste só...
o poeta entrega-se, por inteiro, às suas visões, aos seus heróis, aos seus deuses e dragões
uma enorme paz, esse justo equilíbrio consigo mesmo, leva-o a concluir que os que recusam ouvir a linguagem dos deuses estão condenados a não viver
a fantasia, tal como a poesia, vive a linguagem da noite
...e eu a querer só a morte. Só a cova para me enterrar...
em silêncio, o poeta dissolve-se na madrugada

gabriela rocha martins, maio 2005

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