A melancolia não se sente,
vive-se
- dizia-me, a propósito, a Ana.
Não sei se tem razão.
Sei que a redescubro, por necessidade
, lendo, um dos maiores poetas portugueses.
há quem se afirme queirosiano.
outros pessoanos.
outros ainda regianos.
eu, obsessivamente, leio
,releio e treleio Sá Carneiro.
não o francisco.
O Mário.
O Poeta.
( de preferência! )
...e volto a encontrá-lo na mesma rua
e na mesma cidade em que o deixo
sempre que sinto "saudades de mim"
"Perdi a morte e a vida
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço..."
O TERCEIRO ELEMENTO
...Joana enrosca-se na cama, sob os cobertores, enquanto a mãe grita na cozinha
menina, são horas!
Está farta daquelas palavras. Dos mesmos gritos.Tenta não pensar em nada. Tapa a cabeça.
Mas as imagens voltam e revoltam, como se ainda as vivesse.
Joana, vais perder o autocarro!
Sempre a mesma lenga-lenga,
pensa, enquanto abre as janelas, meio a dormir.
O sol bate-lhe de chapa no rosto.
Mas as imagens voltam e revoltam, como se ainda as vivesse.
Não. Não havia sol, no dia em que conhecera o Manuel Maria.
Convidara-a para uma bica nas Docas.
Primeiro, olharam-se.
Estenderam a mão e os dedos iniciaram a dança.
Era pesado o ar.
Os dedos continuaram o jogo. As mão seguiram o ritual.
Depois levantaram-se e souberam.
O beijo... sabia a rio.
O silêncio. O silêncio dos apaixonados.
Amou-o. Era tarde...
... Manuel Maria arranca. Apetece-lhe conduzir apenas.
Não venha tarde para jantar, pedira-lhe a mãe.
Hoje a tia Inês e o marido vêm jantar a nossa casa.
Que chatice.
Aturar "os cotas".
Estava farto do beijo, emproado, com que a tia o cumprimentava
e do ar circunspecto do almirante. O marido.
Acelera.Tenta não pensar em nada.
Levanta a capota do carro.
Mas as imagens voltam e revoltam, como se ainda as vivesse.
Manuel Maria, não se esqueça. O pai gosta de jantar às oito.
Sempre a mesma lenga-lenga,
pensa, enquanto acelera.
Baixa a pala do automóvel.
O sol bate-lhe de chapa no rosto.
Mas as imagens voltam e revoltam, como se ainda as vivesse.
Não. No dia em que beijara a Teresa não havia sol.
Passara semanas à espera, sentado, frente à Faculdade.
A Teresa saía e ria. Ria alto. Fingia não o conhecer.
Irritava-o com aquele ar de menina senhora do seu nariz.
A Teresa ria. Apanhava o autocarro e ria.
Ria e provocava-o, atirando-lhe um beijo pela janela.
Todos os dias o mesmo ritual.
Manuel Mria não hesitou.
à saída de Penal, agarrou-a. Beijou-a.
Teresa não resistiu.
Nesse dia não apanhou o autocarro. Não riu alto.
Sorriu e retribuiu o beijo.
Quente. Envolvente.
Entrou no carro.
Amou-o. Era noite...
... Teresa enrosca-se. O telemóvel continua ligado.
Em cima do sofá. Não ouve as palavras de Joana. Esta ligara-lhe.
Posso ir a tua casa? - Chora. - Não aguento mais.
Desculpa as horas, mas, palavra, não aguento.
Mas, o que se passa?! Estás bem?
Não. Estou péssima...
Lembras-te do Manuel Maria?
O silêncio. De novo o silêncio. O vazio.
... Manuel Maria acelera.
Tenta não pensar em nada.
Mas as imagens voltam e revoltam, como se ainda as vivesse.
Acelera a fundo.
Joana... Teresa... a mãe... os tios... o jantar esquecido.
Chega tarde a casa. Não ouve as palavras da mãe.
Está cansado. Farto. Não aguenta. Rebenta.
Manuel Maria, onde é que o menino esteve?
Sabe, afinal o seu pai também não veio jantar. Teve uma reunião.
À última hora. No Banco.
A Matilde estava para vir com os pais. Perguntaram por si.
Lembra-se dela?
, dos vossos Verões em Moledo?
, os meninos não namor...?
.Que horror, mãe. Namoro?!... Isso era no seu tempo.
Atira-se para cima da cama. Fecha os olhos.
Nas mãos, o rio. Na boca, o beijo.
Um corpo... O pai...
... Matilde(?!).
gabriela rocha martins
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