15º dia do mês de maio de dois mil e cinco
em termos pesoais, culmina na eclosão inevitável de um conflito com o tempo, ou na vertigem de toda uma força lógica, a qual, só o risco, a fuga ao oportunismo, o trabalho sistemático e uma aventura permanente constituem razão de ser/existir.
todavia, bem diferentes deparam-se-me as coordenadas dos tempos do nosso tempo.
hoje o tempo já não é circular mas rectilínio, pontual, linear e irreversível.
tempo do imperfeito do indicativo, como afirmava Proust.
tempo do efémero que dá origem a novos narcisismos, privilegiando o aqui e o agora, contra a memória e, consequentemente, contra a reflexão.
é, então, que ficciono Paul Gauguin escrevendo uma carta apócrifa...
..."Só para recomeçar, onde o espírito negro sobrevoa o trigo, avancei por aí, aberto aos campos. Instalei-me no murmurinho da multidão urbana, espoliada do seu prestígio antigo, pressentindo o declínio, como uma porta escancarada à vibração forte das armadilhas e dos embustes. Vi-me, de novo, só para recomeçar. Não me permiti confundir a vaidade, a cobardia, o mutismo e a calúnia. Cada um no seu lugar. A cada um o meu silêncio e o meu afastamento progressivo. Nunca evitei "pintar" sabendo sempre que todo o marinheiro conhece o momento certo de recolher a vela e ir à bolina, se pretende proteger a gávea da tormenta. Breve, vi instalar-se o império bruto dos canibais que enviam insultos sobre mim, e, então, regenerei-me nas cores que me assaltaram depois do asombro. Um homem é como uma rocha na falésia, enquanto lhe bate a vaga do destino, lustro após lustro, qual saliência que não quebra ao ritmo da maré. Lutei, desde o início, mas tinha um outro por rival. Do amor à humanidade adveio a tirania da humanidade. Aceito-a, mas resisto-lhe. É tarde para salvar seja o que for do passado. O passado não existe. Nem o futuro. O presente é o preciso momento de sentir-me livre para recomeçar uma nova tela. Há sempre em mim a grave indecisão entre aplainar uma árvore ou feri-la. Que casa quero eu edificar? Nunca a pedra dura me atraiu ou o sentido primata das grutas. Fruo o rastro da seiva-mãe e a língua em fogo do céu lambendo o mar. Dou-me, por inteiro, à voragem da obra. Solto, porém, as amarras no momento exacto em que me reencontro em outras paragens. Na necessidade de conhecer outros povos. Como pedra sonora o meu eco permanece sobre a terra e sobre o tempo. Entre ela e eu ergue-se, intacta, a cumplicidade do que não se perde - o agir e o programar em liberdade. Mas será que isto me basta?"
se a carta apócrifa de Paul Gauguin foi a matriz das minhas presentes reflexões, será, destarte, que a tomarei como minha...
..."mais cedo ou mais tarde, todos acabamos por ter a percepção da morte.
a mesma, porém, exige-nos a instintiva alegria de viver, o direito à mesma e a partilhá-la.
o estar presente sem nada sacrificar.
o estar presente sem a nada renunciar.
ser, ao mesmo tempo, testemunho e loucura, já que viver, mais não é do que manter viva a fidelidade a esta dupla memória que é, em suma, parte integrante da nossa mais ínfima verdade.
hoje, como ontem, reajo - por cansaço, indiferença e exaustão.
primeiro - no espanto - ou a descoberta de mim perante os outros.
segundo - no absurdo - ou a impossibilidade de entender a inteligibilidade do mundo.
terceiro - na revolta - de não ser, plenamente, livre.
por fim - na indiferença - perante a alegria reconquistada, quando me apercebo que a realidade é a morte, e, a vida, a única eternidade ao meu alcance."
gabriela rocha martins
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