20/05/2005

Fotografia 1950

O Poeta vai à frente
veste um fato novo feito expressamente para esse dia
leva o estandarte guardado há muitos séculos para essa ocasião
e distribui esperanças rubras em flor
a todos os manifestantes.
Uns põem-nas na lapela
outros por trás da orelha
alguns guardam-nas no coração.
No entanto há muitos homens que comem essas flores
principalmente os que vieram dos bairros mais pobres da cidade
e pouco sabem do valor das vitaminas...
Os meninos farrapos
trouxeramos seus arcos ferrugentos
que subitamente ficaram ouro puro
enquanto os papagaios
tão alto
se confundem com os astros
...o sol
sorrindo
vai desfolhando aeroplanos...
Atrás segue a banda dos olhos confiantes
tocando a música das estrelas
que todos sentem.
Por último a imensa multidão
que esperou longos anos pelo dia anunciado
Vão de mãos dadas
cantando
ostentam inscrições onde se lêem palavras que não estão nos dicionários
agitam ao vento bandeirinhas brancas com letras de fogo
de que só eles sabem o significado...
Cada um trouxe para a rua os objectos mais queridos
que exibem ostensivamente:
Flâmulas cor da esperança
a esfera armilar,
pratos que nunca foram utilizados
cadeiras desmanteladas
instrumentos cortantes
etc., etc,...
Todas as mães levam ao colo os seus meninos
de cabelos louros que iam ficando negros...
... mas a maior parte
apenas mostra a sua miséria
único móvel que salvaram da tormenta...
À passagem do cortejo
abrem-se todas as portas
sai de cada casa uma pomba encarnada
e as árvores do jardim público
curvam-se até ao chão
tirando o chapéu comovidamente!
Manuel Madeira

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