23 de Agosto de 2004
( ao JJ que me "deixou" a tolerante ironia )
as coisas não são, apenas, o que se vê e o que se deseja.
são algo de muito profundo que corre no tempo
e mais tarde ou mais cedo nele se apaga ou reacende.
outras, guardamo-las na memória,
quando o preço da desilusão se reveste numa agressiva,
se bem que controlada,
incompreensão
de uns e de outros.
a angústia como dividendo da Utopia.
racionalizo, porém, quando o impulso me diz que deveria ir por ali.
resisto.
cada um é o que é .
a cada um cabe representar - mais ou menos bem - o seu papel.
não quero falar dos outros.
não quero julgá-los.
reflectir, apenas, na primeira pessoa do singular.
reservo-me, ora, esse direito
e, ao fazê-lo, não me vejo como um sujeito isolado,
antes como um ser social,
integrada na aventura cultural da época em que vivo.
reconheço,
meu irmão,
que o dogma da solidariedade
- aquele em que sempre acreditámos -
perdeu os seus contornos mais nítidos.
"ser solidário é estar com" - dizias-me!
há regras estabelecidas.
há escolhas.
há cumplicidades.
há entendimentos em silêncio.
há gestos e palavras, certos, em momentos próprios.
viciar as regras do jogo, ou consenti-lo é,
"a contrario sensu",
uma forma típica de manipulação,
de favorecer ideários egocêntricos,
dos quais, por temperamento e formação,
sempre me distanciarei.
calo-me,
então, ou desapareço,
mesmo ( sobretudo ) quando me esperam.
faço-o, porém, sem a mínima intenção de renunciar às diferenças
e/ou melindrar companheiros.
é a necessidade de reencontrar-me,
porque há opções que obedecem a instigações muito íntimas,
a paciências impacientes
que jazem imersas em cada um de nós.
daí algumas das minhas tomadas de posição
- ora em silêncio, ora mais impetuosas -
nem sempre entendidas como uma recusa à mentira,
ao jogo dúbio,
ao oportunismo,
à presunção,
ao supérfluo,
ao individualismo - activo ou passivo,
explícito ou camuflado.
cada vez mais consciente do relativo,
procuro reassumir-me,
em uma coerente dispersão.
e se recuso qualquer imposição,
porque representa um factor de perturbação ao meu livre arbítrio
e um obstáculo ao meu conhecimento como ser humano,
faço-o,
tendo presentes as palavras de Marguerite Yourcenar:
"(...) de facto, há qualquer coisa podre sob a maquilhagem,
qualquer coisa fétida sob a organização social mais brilhante,
qualquer fenda onde se insinua e desenvolve
a semente que fará com que tudo desabe.(...)".
não procuro falar dos outros.
não os julgo.
também não lhes reservo esse direito.
apenas reflicto, escrevendo coisas.
todavia, quando envolvem o colectivo,
não são, apenas, o que se vê e o que se deseja,
porque,
quotidianamente, o mais relevante foi
e é entregar a carta a Garcia.
pergunto, porém.
quem, de nós, o terá feito?
o teu sorriso cúmplice
a tolerante ironia
- obrigada, JJ.
gabriela rocha martins
1 comentário:
Entrei num pálacio de palavras, de palavras que brilha como cristal..Transparentes
Entrei numa viagem onde a palavra me levou a correr mundo...
Enviar um comentário