Legenda Íntima 55. Augusto Mota 
Para a Fernanda Sal Monteiro
Que metáfora, como onda solitária, varre o areal da madrugada, mesmo antes de as primeiras pegadas anunciarem as viagens para sul?
Que onda solitária, como metáfora, varre o areal da memória, mesmo antes de as primeiras viagens para sul anunciarem as primeiras pegadas?
Tristes lamentações estas de fim de Verão, quando as viagens já são sem retorno e não deixam na areia da vazante rasto que nos possa ensinar o caminho de regresso a casa!
Assim, mais vale rumar a norte e esperar que os ventos propícios nos refresquem os olhos, enquanto as águas mais frias nos avivam a memória de tudo o que ainda há para fazer: seja adormecer ao som da lua nova, à beira-mar, seja acordar ao som dos primeiros raios de sol, à beira das fontes que alimentam o rio, como se alimentassem a vida.
Vamos, pois, lavar as mãos nesta corrente fria que nos atravessa a garganta e, com elas ainda húmidas, escrever no areal da memória a metáfora solitária da despedida.
Augusto Mota, inédito, in "Geografia do Prazer", 2000