17/10/2005

No nosso tempo havia cegos e surdos que falavam
e nos queriam cegar ensurdeceder.
Mas nós mantinhamos nos pulsos a tensão vertical
de um fogo verde de uma outra vida.
Era um horizonte de palavras novas, de árvores reverentes.
Escrevíamos panfletos que às vezes nos fugiam dos bolsos
em revoadas que se confundiam com as aves.
Acampávamos em pinhais, cantávamos e dançávamos,
saudando o sol de um novo dia
e às vezes a polícia surpreendia-nos
com as metralhadoras aperradas contra nós.
Devorávamos os livros proibidos apaixonadamente
reunidos em exíguos quartos ou solitariamente.
Não importa se muitos se enganavam adorando um déspota como deus
porque a verdade estava na sua oposição
à tirania que nos roubava o sol,
à liberdade e à justiça da palavra viva.
Vivemos duramente com obstinada paixão
mas vivíamos solidários e lúcidos na sombra
e a fraternidade era a nossa força e o prémio da nossa luta.
Vencemos finalmente mas a madrugada da nossa liberdade
foi apenas um momento. O que se seguiu depois
é um sistema que não sabemos como combater
porque a sua teia é anónima, de uma violência esparsa
que nos impede a defrontação
com os seus disfarces e os seus estratagemas.
António Ramos Rosa, in "A poesia serve-se fria!".

6 comentários:

Anónimo disse...

Os segredos alquímicos da Arte.
O Poeta.
O Artista.
O Homem
completo
por antítese.

Anónimo disse...

Um tempo de Resistência e de Resistentes.
De Homens com H.
De sonhos por sonhar.
Onde era possível a Utopia.

Anónimo disse...

É preciso e urgente reescrever a História...
...É urgente um outro 25 de Abril.

( viver é quase impossível.
Sonhar?
Nem falar! )

Anónimo disse...

António Ramos Rosa o poeta do sul azul, aquele que, em dias cinzentos, como hoje, reveste de mil cores a POESIA.

Anónimo disse...

ser poeta é isto e muito mais além...

Anónimo disse...

queria, mas não posso, reinventar a palavra para dizer-vos de um outro modo...obrigada.