25/10/2005

tróia - um ciclo

Estou a terminar o meu ciclo de Tróia. Já desfiz os cavalos no hrizonte e aguardo que o fumo se esvaia pelas frinchas de todas as casas que ameaçam ruína, para, célere, proceder à recolha dos objectos abandonados no ardor da luta. O céu vermelho e negro anuncia novidade na manhã que se aproxima. As aves de rapina, essas, souberam afastar-se da atmosfera sufocante da cidade. Só as muralhas permaneceram alterosas na defensiva. Tudo o mais ruiu com o fragor do cataclismo.
Se a princípio a besta imperava no ataque, resfolgando metralha e fumo, agora, culpada e traiçoeira, abandona o campo da luta com aquela alegria que só os loucos descobrem no pandemónio. Para trás há trevas e traição, aquela traição que se costuma esconder em todos os cavalos que o homem fabrica no seio da cidade. Depois vem sempre a noite que se imiscui nas verdadeiras intenções e ajuda a fraqueza dos cobardes.
Passa a surpresa e todo o ataque. O fumo esvai-se perpétuo por todas as fendas das casas em ruína. A traição perde-se num galopar frouxo e repetido. Neste amanhecer começa a divisar-se a peste em todas as ruas. Bichos horrendos saem das casas, vorazes e incontidos como se o fumo lhes tivesse aguçado o apetite de destruição. Espalham-se abstractos pela cidade e germinam múltiplos em cada fecundação. A cidade está perdida! Sente-se asco de viver na aparência das próprias pedras. Resta só o despontar do astro. Depois acreditamos na redenção.
Ei-la, a redenção! Vive diluída no fumo que evolui do horizonte em curvas de prazer. Descobrem-se, em cada evolução, novas formas de amor e sempre os mesmos gestos de carícia. Para longe ficaram todos os monstros e todas as aves de rapina. Aqui, neste plano, continua imperioso o verdadeiro amor. A cidade liberta-se do fumegar nocivo e respira a vida de outrora.

Em Barbacã os cidadãos honestos queimam na praça pública

os últimos fragmentos do cavalo traiçoeiro.

Completou-se o ciclo de Tróia.

Augusto Mota, inédito, in "Metáfora,", 1962.

9 comentários:

Anónimo disse...

Teu cavalo de crinas onduladas,
narinas ofegantes, bafo ardente,
levanta o pó da rarefeita estrada
prepara o seu galope...e vai em frente.

Assim me diz a tua escrita, mestre!

Anónimo disse...

Que encanto bárbaro tem este senhor que assim me faz procurar os deuses dentro da sua escrita?

Com a foice do sonho rasga a escrita e dela faz uma paleta de mil sons, ao meu ouvido... e, vai em frente, prevenido!

Anónimo disse...

Não sei para que lado me hei-de virar sem de todo ficar surpreendida...no final...

...monto a garupa deste corcel alado - corcel dum tempo moço que já fomos - e suspensa em seu galope, sigo em frente para onde me conduz o mais que perfeito deste indicativo texto.

Anónimo disse...

Os seus textos, meu Amigo, têm léguas de espanto.

Anónimo disse...

lindo o seu comentário, José Artur!

Anónimo disse...

e eu, pasma de "espanto", fico sem palavras perante os vossos comentários.

porque ficarei sempre assim com os textos e os comentários aos texos de Augusto Mota?

não posso dizer. sou suspeita!

Anónimo disse...

esta noite, como quase sempre, os "meninos" estão inpiradíssimos...

parabéns!

Anónimo disse...

Tardei : já tudo foi dito e muito bem ! Só agora aqui cheguei. Mas creio que ainda a tempo de me juntar aos cidadãos de Barbacã para saudar os seus defensores e a eles me juntar para, num esforço comum, impedirmos que a cidade seja de novo atacada pelo cavalo traiçoeiro !
Fernanda.

Anónimo disse...

não, minha amiga, nunca chega tarde.
geralmente até a sua chegada anuncia-se em antecedência, até porque, como diz e bem, nunca seremos demais...