10/11/2005

Elegia: indo para o leito

Vem, Senhora, vem que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado.
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda, quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
E deixa que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens, tu meu anjo, és como o Céu
De Maomé. E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.
Deixa que minha mão adentre
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra à vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo prazer provém
De um corpo ( como a alma sem corpo ) sem
Vestes. As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atlanta:
O olho de tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados, a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns ( a que tal graça se consente )
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-
Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
O corpo de um homem te é bastante.
John Donne,
trad. Augusto Campos.
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* John Donne acompanhou o Conde de Essex na sua expedição a Cádiz e Açores. Segundo fontes documentais, Essex esteve em Silves. Incendiou-a e saqueou a parte mais significativa do Arquivo Paroquial da Catedral de Silves, então, levado para Oxford e Sevilha.
Ainda hoje é possível consultar esses documentos na Biblioteca de Oxford.

3 comentários:

Anónimo disse...

Um erotismo cheio de melodia poética.Forte e muito belo.

Um apontamento assaz oportuno sobre John Donne e o Conde de Essex. Desconhecia.

Anónimo disse...

Uma poesia cheia de erotismo e beleza.
Simultaneamente, um eloquente elogio às Mulheres.

Anónimo disse...

muito obrigada, meus amigos!