29/11/2005

( requiem )

Ai, esta voragem dos dias! Este perpétuo veneno em minhas mãos, dúcteis, insidiosas, mas alegres pelo orvalho de tudo o que fortaleceste em mim! O ritmo agora é outro na verticalidade dos dedos. As unhas andam mais polidas pelas ânsias da noite e debato-me e arranho-me por os olhos não alinharem as perspectivas todas com os teus. Mas isto só por ausência física. No resto sou fraterno em minha dádiva surda, em meu calor que compartilho na mesma com o espaço que devias habitar. Nem há desperdício porque te sei. Por isso, tudo é natural e a emoção disfarçada da partida e da chegada é sempre uma viagem só para os olhos.
O minuto da separação é pálpebra que se fecha para sonhar a realidade. O apito da locomotiva, por vezes, é que tira sabor às coisas. Mas o beijo leve e quente no cais da estação é ainda o mais nítido regressar à realidade. É um outro acordar para melhor dormir sobre as recordações.
Augusto Mota, inédito, in "O Artefício da Loucura", 1964.

9 comentários:

Anónimo disse...

Meu amigo, um louco abraço solidário.

Anónimo disse...

Só o grito é alma sofrida.
Porquê?

Anónimo disse...

Porque nos interrompem os momentos de louco deambular a solo?
Além ouve-se uma música de fundo...um piano toca a sonata que acompanha o texto inconsequente. É o artefício. A sã loucura.

Anónimo disse...

Um abraço, Amigo Augusto Mota!

Anónimo disse...

« É um outro acordar para melhor dormir sobre as recordações. »

Não é loucura, mas artefício.
E felizes somos nós,quando olhamos para as nossas mãos e temos, para além das saudades, recordações para nelas nos ampararmos.

Um abraço.

Anónimo disse...

As mãos estendem-se para que nelas encontremos o nexo do amanhã.
Porque amanhã, Amigo Augusto Mota, será um novo amanhecer. Com o Sol a lamber todas as mãos - dadas.

Anónimo disse...

Olá, Anamar; já me perguntava que seria feito de si, mas eis que aqui nos encontramos hoje..." Só o grito é alma sofrida.
Porquê? "
Quem poderá ou saberá responder? Eu recordo umas palavras lidas, ocasionalmente, já nem me lembro bem onde, porque ficaram tão arreigadas a mim, que me parece sabê-las comigo desde sempre : « Il n'y a plus grande douleur que l'absence ».
Um abraço.

Anónimo disse...

hoje não agradeço.
o espaço e o momento não são meus...todavia, partilho, com todos, a enorme alegria de uma lembrança. para que a vida seja uma enorme gargalhada - de riso ou choro? - pouco importa.

Anónimo disse...

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