08/06/2005

30 de Maio de 2005

Vejo os limões no limoeiro e tento
reproduzir aqui o que eles são na árvore
as formas as cores e os contrastes entre si
o aroma que se espalha pelo ar e chega ao meu olfacto
as posições que ocupam nos troncos e nas hastes
o aparente acaso que os dispersou pela copa
vejo-os balouçar suspensos dos pedúnculos
se o vento sopra agitando os ramos
Mas os limões que descrevo não são os que lá estão
nem a árvore é a mesma que os meus olhos vêem
porque foram transplantados automaticamente
através de circuitos electroquímicos velozes
para o espelho interior que os reflecte e altera
e é lá que os vou colher para os replantar
nesta página em branco onde o poema sofre
o efeito do fórceps no acto de nascer
aos olhos de quem esperava um parto natural
quando a natureza é só probabilidade
oferecendo os impulsos para o acontecimento
Quantas voltas deu o poema no útero da matriz
desde embrião gerado pelo desejo e pela sensação
de criar um ser que prossiga a viagem
inscrita na raiz da primeira emoção
anterior à palavra que o acaricia e veste?
Tantos foram os solavancos e os tombos
que o poema sofreu desde a origem remota
até ao delta do seu nascimento
que as mãos do obstetra que o assistiu
sangram como ele escorrendo a dor
para a transformar depois em alegria
Manuel Madeira, "Inédito"

5 comentários:

Anónimo disse...

Manuel Madeira, o nobre poeta da clandestinidade sulina.
Horizontes rasgados num país de medo

Anónimo disse...

Fiquei de responder-te um dia, de preferência, ao amanhecer.
Porém, tive medo do que podia acontecer...

Anónimo disse...

meu Amigo!
bem vindo ao "nosso" mundo.
escreva quando e como quiser.
reservar-lhe-ei, sempre, um espaço privilegiado...
...na primeira fila...

Anónimo disse...

Até onde o silêncio?
Até onde o degredo?
Até onde a palavra, companheiro e camarada?

Anónimo disse...

Precipitei-me um pouco ao agradecer antecipadamente.
O poeta, todavia, merece-o!