19/06/2005

Três ou quatro sílabas/Outro fragmento

Neste país
onde se morre de coração inacabado
deixarei apenas três ou quatro sílabas
de cal viva junto à água.
É só o que me resta
e o bosque inocente do teu peito
meu tresloucado e doce e frágil
pássaro das areias apagadas.
Que estranho ofício o meu
procurar rente ao chão
uma folha entre a poeira e o sono
húmida ainda do primeiro sol.
*
Entre obscuras sementes a mão recolhe
a luz dos lódãos:
as suas águas são a pedra do crepúsculo.
Entre a festa e a morte
que fizeste da manhã? - pergunta
insiste o vento.
Com um rumor de neve ou de animal
moribundo fiz o anel e a casa:
assim o deserto cresce sobre o coração.
Eugénio de Andrade, in "Poetas Escolhem Poetas", Porto 1992

2 comentários:

Anónimo disse...

Há poetas que jamais morrem.

Anónimo disse...

Adeus, não.
Até logo, Eugénio de Andrade.