03/07/2005

Não digo Nada

Tenho os olhos virados de espanto
Vejo ratos subindo apressados
Os braços do homem-cão
Que prendem meus braços cansados.
Ele ri ou ladra?
O riso-latido
Mistura-se aos gritos
Que os meus ouvidos geram
Para me enlouquecer.
Uma cobra olha-me fascinada.
Enrola-se nas pernas gordas
Da mulher esgadelhada
Que grita
Grita noite e dia:
Fala. Fala.
Não Digo Nada
Criaturas
Pelo MAL criadas
-Malcriadas-
Batem-me de raiva
Cospem-me na cara.
No Chiado, aquela hora,
A chuva molha a calçada.
Puxam-me os cabelos.
Um cão preto dá ao rabo.
Suspensa pela trança
Dança no ar
Sou chinês do circo.
Varejeira ze...ze...ze...
Poisa aqui
Poisa acolá.
Poisa no pescoço e no cavalo...
No pescoço de cavalo
Do monstro alto
Que dá murros alto
Que dá murros na mesa:
Fala. Fala.
Não Digo Nada
Some-se a bicharada.
Só os ratos estão
Dançando a valsa
No enorme salão
Onde as luzes amarelas
São punhais
Entre os cílios a passar.
- Ai quem me dera dormir
Solto um grito-gargalhada-
Estou a rir.
A rir.
Dos homens-ratos-monstros
Que caminham no tecto
Sem encontrar rumo
Nas mentes. Dementes.
Bocas escancaradas.
Urros.
Sons feitos punhaladas:
Fala. Fala!
NÃO DIGO NADA!
NÃO DIGO NADA.
Glória Maria Marreiros, Lisboa, 2005 ( inédito )

4 comentários:

Anónimo disse...

Não diga nada, Glória.
Escreva, apenas.

Anónimo disse...

Admiro esta Senhora pelo que tem de completo.
Na ficção, no ensaio, etc., em tudo deixa um toque muito pessoal e especial.

Anónimo disse...

Muito bonito!

Anónimo disse...

obrigada, meninas, a Glória merece isso e muito mais!