De mãos dadas sobre o vértice do universo ouvíamos o Adágio em sol menor de Albinoni, enquanto as gaivotas ( Larus argentatus ), como flores aladas, desabrochavam nas ínsuas da vazante. A ponte passou por nós a caminho da foz e uma figueira ( Ficus carica ) frutificou entre a névoa da manhã e o sol nascente. Como mel, seus frutos adocicaram a paz que envolvia o espanto de nossa boca e eternizaram o descanso de tanta ave no meio do estuário florido de branco. A este tempo de servidão e certidão confiámos o nosso trajecto e logo outras viagens impuseram novos desejos. Que apenas queriam saborear os figos e o mel que ia subindo pelas mãos acima. A elas entregámos o sabor da manhã, a motivação das aves, a travessia da vazante. Uma ponte é sempre uma passagem para o outro lado das palavras que motivam a manhã, as aves e os frutos da vazante. O regresso à justiça dos dias é que torna penosa a significação das palavras que descansam nos livros, ou em nossas mãos. Augusto Mota, in "Geografia do Prazer", 2000, inédito
6 comentários:
É sempre um prazer lê-lo
Suave, tão suavemente quanto entrei, saio.
Antes deixo, em palavra, o ênfase e o sinal traduzidos.
A grafia do prazer geograficamente prazenteada
Devo acrescentar que viajei com o gosto inadvertido da surpresa, primeiro no blog, depois neste texto.
obrigada, Amigões!
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