22/06/2005

a travessia da vazante

De mãos dadas sobre o vértice do universo ouvíamos o Adágio em sol menor de Albinoni, enquanto as gaivotas ( Larus argentatus ), como flores aladas, desabrochavam nas ínsuas da vazante. A ponte passou por nós a caminho da foz e uma figueira ( Ficus carica ) frutificou entre a névoa da manhã e o sol nascente. Como mel, seus frutos adocicaram a paz que envolvia o espanto de nossa boca e eternizaram o descanso de tanta ave no meio do estuário florido de branco.
A este tempo de servidão e certidão confiámos o nosso trajecto e logo outras viagens impuseram novos desejos. Que apenas queriam saborear os figos e o mel que ia subindo pelas mãos acima. A elas entregámos o sabor da manhã, a motivação das aves, a travessia da vazante.
Uma ponte é sempre uma passagem para o outro lado das palavras que motivam a manhã, as aves e os frutos da vazante. O regresso à justiça dos dias é que torna penosa a significação das palavras que descansam nos livros, ou em nossas mãos.
Augusto Mota, in "Geografia do Prazer", 2000, inédito

6 comentários:

Anónimo disse...

É sempre um prazer lê-lo

Anónimo disse...

Suave, tão suavemente quanto entrei, saio.
Antes deixo, em palavra, o ênfase e o sinal traduzidos.

Anónimo disse...

A grafia do prazer geograficamente prazenteada

Anónimo disse...

Devo acrescentar que viajei com o gosto inadvertido da surpresa, primeiro no blog, depois neste texto.

Anónimo disse...

obrigada, Amigões!

Anónimo disse...

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