Na praça só de hoje
passeia o esqueleto.
Na praça cheia desses atributos que damos às coisas
e as tornam desumanas,
nesta praça enlouquecida e branca
de pó que já foi casas conforto e doença,
passeia o esqueleto a comer uma laranja. Há quem diga que valeu a pena
ter ido buscar morte e laranjas ao pomar.
Há quem diga que não,
há quem berre e grite alto muito alto
há quem mate mil vezes o esqueleto
há quem peça para ele o inferno de mil deuses
mas a calma dele a comer laranja desnorteia. António Simões, in "Ainda", 1958, coimbra
11 comentários:
Premonitório este poema de António Simões, escrito em 1958...
Que em 2006 não nos esqueçamos do amargos de boca no eventual regresso de um "esqueleto" laranja.
meus amigos, Filipe e António!
...deixem-me, ao menos, acabar de publicar...
obrigada aos dois.
mil beijos!
Perigo laranja à vista.
Zona de catástrofe iminente
segundo dados científicos, a laranja provoca acidez crónica e afecta o fígado.
aconselha-se outra fruta...
( se se verificarem os sintomas acima mencionados, não digam que não os avisámos...)
António Simões preveniu-nos em 58 e estamos a ser prevenidos agora ! E ele dança e bate o queixo (torto, ainda por cima)o esqueleto laranja, novamente, aparecendo subtilmente (ou talvez não...) em tudo que nos entra em casa!!! E que havemos nós de fazer, Mota, rodeados pelo tentacular laranjal nacional por todos os lados ?? Resistir e denunciar "...mas a calma dele a comer laranjas desnorteia"...
Bom fim de semana sem o amargo da laranja.
Fernanda.
Queridos Amigos: Emociona-me muito reler este e outros poemas do AINDA (1958). Eu tinha então 23 anos e a Pide rosnava no laranjal do medo. Mas nós sabíamos que mesmo que reduzissem o homem à forma de esqueleto, não poderiam imepedi-lo de ir colher o fruto então proíbido, a doce Liberdade, aqui metaforicamente viva nessa laranja que o poeta, que transportava dentro de si todos os que viviam privados de Liberdade, ia colher. E os guardiões do templo ficavam descontrolados, perdiam a compostura, o norte, furiosos com a calma, que significava a tranquila certeza de um dia surgir a liberdade triunfante, desse esqueleto obstinado em lutar contra a tirania.
Nós, os que fizemos o AINDA, andávamos então na casa dos 20 anos. Eu fiz 70 em Novembro. O Augusto Mota anda por lá perto. Todavia, continuamos com o entusiasmo, a inquebrantável energia dos 20 anos. Este extraordinário blogue que a Maria Gabriela Rocha Martins pôs de pé, deu uma surpreendente, inesperada oportunidade de trocarmos os nossos sonhos com os vossos, trazê-los do passado distante ou recente, dar-lhes a intemporalidade da partilha. Façamos deste local de verdade e beleza, a sala comum onde nos encontremos sempre que quisermos. Todos nós somos construtores do mundo. Cada poema, texto, imagem, comentário é um tijolo para que essa construção cresça ao serviço da Paz e da Felicidade de todos.
Um grande abraço do
António Simões
agora, Amigo António Simões, sou eu que fico, particularmente, sensibilizada e comovida.
sinto-me qual formiguinha que teme, face à enorme responsabilidade da POESIA e da BELEZA, perder-me. tenho-vos, porém, por perto.
todavia, há um ajuste a fazer. este blogue é fruto da cumplicidade de dois amigos...só assim surgiu.
um lançou o repto. o outro aceitou-o.
ambos, por ele, são responsáveis - o Augusto Mota e a Gabriela Rocha Martins - e com todos os demais sonhadores iremos em demanda da Utopia...obrigada, meu Amigo, visionário da Liberdade!
querida Fernanda!
para si, um especial - e nada amargo - beijinho.
hoje, como sempre, aliás, merece. será inteiramente sua... a surpresa do Augusto...
Olá ... Surpresa....minha ???
pode ficar para amanhã, minha Amiga?
O tempo fez-me a partida!
prometo que cumprirei...( e não estou a fazer figas, ah!ah!ah! )
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