Loucura, sábia loucura esta que me arrebata todo, mas todo, para os minutos em que me sinto respirar sem mim. Invejo os átomos que se escondem nas sensações, nas agora estúpidas sensações que não atravesso com o olhar. É isso, sou um homem permanentemente desacreditado. A história e a glória de minhas mãos pertence sempre ao fracasso. Vivo nem sei como. Tenho os olhos a ocidente e o sexo a oriente. Assim não sei como governar os segundos e os anos. Vou desistir de viver. É que não arranjo maneira de fazer de tudo isto um diálogo permanente com a sensatez da minha própria razão. Dói-me tudo hoje. Tudo. O norte onde não habito, porque estou no sul. O sul que não habito, porque estou no norte. O sexo e os olhos é que parecem estar parados. Fui vítima daquilo que não me deram: a unidade de mim quando jovem criança. Deviam ter-me prendido a imaginação e os dias às pernas das mesas. Fiquei demasiado senhor e desconfiado daquilo que tocava. Depois dei nova grandeza ( outra grandeza ) àquilo que queria distante, ou sabia distante e queria perto das mãos. O mundo revelou-se-me demasiado desfeito, demasiado inoportuno para o que eu já sabia. Entrei cedo demais na música das flores e no círculo dos segredos mais íntimos do universo. Tudo se reduz, afinal, ao relativo de nossas sensações, ao tempo exacto de nossas sensações. E como gostaríamos de as prender, ou matar, quando elas se impõem à memória com uma permanência exacta, viva, real, quotidianamente exasperada.
Assim concluímos tanta coisa errada! Augusto Mota, inédito, in "O Artifício da Loucura", 1964.
5 comentários:
Um espectacular exercício de loucura. Eis a melhor maneira de a exorcisar...escrevendo em textos de superior qualidade!
Leio e releio, porque preso a esta saudável loucura.
Bem haja, amigo Mota!
Liberta de cheiros e de gostos, respiro as palavras amargas de um desafio à sanidade. E gosto, gosto do que provo.
Arrebatador.
a gerência agradece.
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